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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Porque o filme "Argo" ganhou o Oscar?


Michele Obama direct White House: 
And the Oscar goes to... Argo

Abaixo o excelente artigo de Renato Costa, escrito  em 04/02/2013, portanto, 20 dias antes da entrega do "Oscar".




Por que “Argo” deve ganhar o Oscar?



*Por Renatho Costa 


A resposta para esta questão é muito simples: porque o cinema continua sendo a maneira mais simples de mostrar para o mundo quem é bom e quem é mau. Porque não adianta atuar em organismos internacionais e praticar ações que salvem milhões de pessoas se essas ações não se tornarem públicas – e mais, não adianta se tornarem públicas se não vierem embaladas em belas imagens, muita ação e uma trilha sonora que direcione a narrativa no intuito de perdermos a noção de quem é quem e aceitarmos apenas o que está sendo mostrado.

Por isso Argo vai ganhar o Oscar: porque retoma a antiga fórmula do cinema como produto de propaganda política para veicular um evento que poderia ser altamente questionável sob muitos aspectos, inclusive o diplomático. O que é mostrado como heroísmo e no final deixa o espectador tenso, nada mais é do que uma grande violação do Direito Internacional. Mas nada disso é apresentado desta forma, porque desde o início do filme já sabemos quem são os mocinhos e quem são os vilões.

Para alguém descuidado, ou que pouco conhece a história do Irã, poderia dizer que o filme não é unilateral, pois no início menciona que os EUA e a Grã-Bretanha tiveram responsabilidade na derrubada do primeiro-ministro iraniano Mossadegh, em 1953 (mas não dizem nada sobre a violação da soberania iraniana ocasionada pela Operação Ajax, chefiada pela CIA). Também disseram que o xá praticava tortura e tinha a Savak, tudo mostrado somente através de fotografias. Estas informações são expostas no início de um filme, num momento em que grande parte do público sequer está familiarizada com a problemática que será abordada. Ok, o Irã tinha um xá e agora tem um aiatolá! Títulos interessantes, mas tão exóticos para o espectador quanto um sultão de histórias de “Ali Babá e os 40 ladrões”…

E, depois de uma apresentação que mais parece “as mil e uma noites”, ficamos sabendo que o aiatolá Khomeini liderou uma revolução e logo vemos uma imensa quantidade de pessoas pelas ruas, gritando, numa língua que pouca gente conhece e não há legenda em inglês, tampouco em português, para sabermos sobre o que falam, exceto, mais adiante, quando será importante mostrar como os revolucionários iranianos são “idiotizados” ou “infantilizados”.


Tentemos entender o que se passava no Irã e o filme prefere omitir. Primeiramente, com a revolução em andamento, os EUA ainda pretendiam depor o governo islâmico e, na embaixada estadunidense (mesmo queimando e destruindo muitos documentos, foram encontradas provas de que os EUA planejavam outra ação como a Ajax, que depôs Mossadegh) não havia apenas diplomatas, como é dito: muitos eram espiões e pessoas que sempre trabalharam em sintonia com o governo do xá. Desse modo, a neutralidade do espaço diplomático da embaixada, em muito havia sido violada pela intenção dos EUA de conspirarem contra o governo instituído. Também, a generosidade do presidente estadunidense, Jimmy Carter, em receber o xá Reza Pahlevi não se deu porque ele estava com câncer, mas sim porque era um aliado dos EUA e o peso de um aliado sendo capturado pelos revolucionários, julgado e condenado faria (levando em conta a lógica de um mundo bipolar EUA x URSS) com que os demais aliados também colocassem em dúvida a segurança frente ao alinhamento – e devolvê-lo estava fora de cogitação. Sem contar que o xá detinha muitas informações sobre os EUA que não seriam interessantes serem difundidas.

Nada disso aparece no filme, apenas ficamos sabendo que ele tinha câncer e que, em uma entrevista, o xá diz que não sabia de torturas. Mesmo que em duas frases soltas alguns agentes da CIA questionem a necessidade de receber o xá no pais, não há ênfase nas aberrações que o xá provocou no Irã, exceto uma imagem de uma homem torturado no prólogo do filme – uma foto – e a informação de que a população empobreceu – ilustrada com a foto de uma criança. O xá de Argo não gera qualquer repulsa, porque não há necessidade de que o público entenda que a Revolução que ocorreu no Irã em 1979 não congregava apenas religiosos, mas que quase todos os segmentos sociais participaram da derrubado do governo do xá. Porém, isso não é interessante saber, melhor mostrar homens barbados e mulheres usando chador, ambos portando armas pelas ruas. Esse tipo de imagem constrói quem é bom e mau.

Evidentemente que, se formos aprofundar na análise da situação política que o Irã foi catapultado logo após a revolução, encontraremos muitos embates entre grupos que compartilhavam da proposta de derrubada do xá, mas não necessariamente pretendiam o estabelecimento de um regime islâmico. Pode-se dizer que houve perseguição de alguns grupos e muitas pessoas acabaram morrendo ou deixando o país. Mas não era com isso que os EUA estavam preocupados, nunca houve a preocupação com diretos humanos no Irã e o apoio ao governo do xá era um exemplo disso. Não havia instrumento de repressão mais violento que a Savak. Os EUA estavam preocupados com o risco de perderem o controle geopolítico da região além de não poderem mais contar com o petróleo produzido no Irã. E nada disso não é dito em momento algum.

Mas há muito mais, pois as câmeras de Affleck produzem imagens emblemáticas quando mostram as pessoas enforcadas e penduradas por guindastes ou mesmo quando uma “refém” estadunidense vê uma pessoa sendo executada na rua. Tudo isso é uma aberração para a população ocidental, que logo relaciona essas atitudes aos “bárbaros de barba” ou aos “senhores de roupa preta”. O exotismo faz com que eles sejam construídos como seres que não estão no mesmo nível de desenvolvimento dos ocidentais. E a cena no aeroporto serve para reforçar isso. Os soldados ficam “encantados” com os storyboards como crianças que leem gibis, ou mais ainda, pois os soldados ainda fazem gestos imbecis e agem como estúpidos frente à falsa equipe de produção do filme.



Contudo, o problema não reside no fato de enganar os soldados, pois isso poderia ser feito e ocorre em inúmeras situações e é um recurso dramatúrgico de muitos filmes. O problema é que, na cena final do aeroporto, os iranianos são bárbaros/bestializados, pois falam uma língua que só é expressa aos berros, esquecendo que também é a língua de poetas como Ferdowsi, um dos responsáveis pela preservação/difusão do farsi e reconhecido mundialmente pela qualidade artística de sua obra. Mas farsi é língua dos bárbaros e somente assimilada pelos dominadores para imporem sua vontade, haja vista um dos “reféns” utilizar seu conhecimento para enganar o idiotizado/infantilizado soldado iraniano.

Outra questão é emblemática no filme Argo, a partir do momento em que os “reféns” estão na embaixada canadense, toda a construção da narrativa é feita no sentido de que o espectador torça para que eles saiam da situação de perigo. Ninguém questiona o que os EUA estavam fazendo ali, se era legítima sua ação, apenas deve-se salvar os bons estadunidenses. Não se discute a atuação dos EUA no Irã, como se tivessem sido pegos de surpresa por um grupo de pessoas insanas que pensam apenas em matar!

É esperado que o filme aponte para a ilegitimidade de os iranianos invadirem uma embaixada – mas, por outro lado, não trata de modo análogo o ato de um espião falsificar documentos, entrar e sair do país ilegalmente e mesmo contar com o apoio de outro Estado para esconder fugitivos. O grande problema é que, para salvar os mocinhos é possível utilizar todos os recursos possíveis e imaginários, e mais ainda, não fazer qualquer questionamento acerca dos métodos, haja vista os fins serem nobres. Inclusive a funcionária iraniana da embaixada canadense mente para preservar os falsos diplomatas. Não que isso fosse impossível de ocorrer, mas neste caso tenta-se desconstruir os valores islâmicos da mulher, uma vez que ela fala e age em nome de Deus, mas mente para salvar os mocinhos. Então, por conseguinte, Deus está do lado dos mocinhos e não dos iranianos… se é que é possível dizer Deus esteja de algum lado!

Mas o filme vai além quando quer tratar de heroísmo, pois um agente é condecorado por ser um espião e violar leis de outro país. Mas esta construção do herói não para por aí, uma vez que no início do filme, antes de o agente da CIA praticar a ação, está com o casamento abalado, distante do filho etc – ou seja, com uma família desestruturada. Assim que consegue concluir sua missão e resgatar os “reféns”, volta para casa, é recebido pela esposa com um abraço carinhoso (e a bandeira dos EUA tremulando no segundo plano da cena) e isso leva à conclusão de que o bem venceu o mal. Aos heróis cabem todas as glórias, a condecoração e a família de volta. Ele fez o certo – não há como ter outra conclusão, se tudo deu certo no final.

Enfim, com tanto heroísmo, os soldados iranianos não poderiam aparecer pela última vez senão como um bando de idiotas correndo atrás de um avião para impedir sua decolagem. E, depois disso, já dentro da aeronave, temos o cumprimento do herói, pois um dos “reféns” (aquele que nunca acreditou que a ação daria certo) sai de seu assento e vai até o agente da CIA para cumprimentá-lo. Também ficamos sabendo que já saíram do espaço aéreo iraniano, pois já podem beber. Uma crítica sutil, mas eficaz, pois apresenta a “liberdade” vinculada ao consumo de álcool, uma vez que os islâmicos são proibidos de ingerir bebidas alcoólicas. Os fabricantes de destilados e cervejas agradecem pela propaganda, sem contar o cigarro, que está presente no filme inteiro… E o herói sempre fuma.


Por fim, conclui-se que: nada mais justo que o cinema estadunidense ter sido utilizado nessa ação de invasão/resgate, uma vez que historicamente ele já invadiu/alcançou o mundo inteiro no intuíto de difundir o american way of life e o soft power de Joseph Nye. A própria capacidade de reconstruir a história possibilita ao diretor/produtor/roteirista a habilidade de mostrar apenas o que é interessante. Assim, apesar de no final do filme ouvirmos as declarações do ex-presidente Jimmy Carter, não é mencionado em momento algum que ele programou outra ação militar para salvar os reféns na embaixada e foi um grande fracasso, que ele viu-se tão mal que não conseguiu reeleger-se, abrindo caminho para a Era Reagan. Também não é dito que os EUA ajudaram a desencadear a guerra Irã-Iraque (1980-88) e iniciaram a política de boicotes aos iranianos. Nada disso é dito nas informações finais – apenas vemos heróis e condecorações. Heróis de tão alta estirpe que aceitam o ocultamento de seus atos como algo necessário para a nação.

Frente a todos estas questões, a conclusão é simples: como um projeto de propaganda, Argo é incrível – como documento, porém, é espúrio. Mas, num momento em que o Irã necessita ter sua imagem ainda mais destruída, nada melhor do que assistirmos a um filme com bárbaros pulando muros, gritando numa língua incompreensível e vestindo-se de modo exótico: assim, saberemos muito bem quem é o bom e o mau. Se um povo como o iraniano quase cometeu uma atrocidade com seis “diplomatas” estadunidenses, o que poderá fazer com uma bomba nuclear em mãos? Essa é a outra função do cinema, nos mostrar quem são os mocinhos e os bandidos, pois mesmo nos westerns eles podem ser difíceis de identificar e é necessário que alguém nos guie para não “aprendermos errado”. Com isso, só nos resta aguardamos até o dia 24 de fevereiro para ouvirmos: “And the Oscar goes to… Argo!”



Renatho Costa é bacharel em Relações Internacionais, Mestre e Doutorando em História Social (FFLCH-USP), professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) e especialista em Oriente Médio.




Fonte: Sul21, renatho costa acadêmico



5 comentários:

infinitoamanajé disse...

Gratíssimo pela excelente postagem.

É interessante ver que o "democrático Blogger" do google, que é do Bil, que é da onipresente CIA, travou a divulgação das minhas postagens há duas semanas quando comento a renúncia do Perebento XVI. Um forte abraço e grato por sua lúcida existência. Não tenho televisão em casa, só as onipresentes fora dela. Te amo e sou grato

Octopus disse...

Burgos,

Excelente artigo de Renatho Costa que espero muitos dos teus leitores irão ler e assim ficarem um pouco mais esclarecidos sobre a influência e manipulação de Hollywood no esquema montado pelos Estados Unidos.

Um abraço

BURGOS disse...

Aldo e Octopus

20 dias antes da entrega do "Prêmio" Renato prevê exatamente o que aconteceu.

O Oscar anunciado diretamente da Casa Branca só confirma tudo o que foi escrito pelo Renato.

Um excelente texto que espero que muitos leiam e vejam como Hollywood sempre foi e é o "braço manipulador" da Casa Branca e de Israel.

Um grande abraço meus amigos

Anônimo disse...

Meus caros, sem contar tudo o que foi comentado o pior é que o "grande público" que é orientado pelas preferências aos ganhadores do oscar, ainda vão encher os cofres dos produtores para ver mais uma propaganda de roliude, cia e casa branca. A coisa é tão descarada que a Michele Obama não precisava nem abrir o envelope para anunciar o vencedor.

Rogério G.V. Pereira disse...

Vou editar um post com base neste artigo, meu amigo

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