Minha lista de blogs

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Porque ser comunista






Por Marino Boeira *

Por que ser comunista nos dias de hoje? Não está mais do que provado que, quando aplicado, este sistema não deu certo? Não é verdade que o ser humano é individualista por natureza e jamais se adaptaria a um sistema que privilegia o coletivo? Os exemplos da antiga União Soviética e de Cuba, hoje, não são suficientes para demonstrar que na prática o comunismo não funciona?

Você já tentou responder mil vezes a estas questões, ora usando argumentos históricos, ora se socorrendo do que disseram grandes pensadores, buscando mostrar aos seus inquisidores que simplificar as idéias faz mal para a inteligência, mas sempre recebeu em troca olhares de desaprovação, na maioria das vezes, ou ainda pior, outras vezes, de comiseração por insistir em defender uma filosofia morta e enterrada.

Mas, você insiste.

A crise atual do capitalismo, a opção ao comunismo, é um bom argumento, mas fica longe de convencer seus detratores. Desde que a burguesia organizou de forma definitiva o sistema capitalista no final do século XVII, ele sempre enfrentou crises, mas sobreviveu, ao contrário do comunismo soviético que viveu pouco mais de 70 anos, dizem eles.

É verdade.

O capitalismo constrói e destrói tudo que cria num ritmo cada vez mais frenético, a um custo trágico para a humanidade, gerando miséria e destruição do meio ambiente.

Os mais tolerantes concordam com isso, mas perguntam: por que não teve êxito a experiência comunista na União Soviética?

Primeiro, você mostra a diferença entre o sistema imaginado por Marx e Engels de uma sociedade sem classes e o que ocorreu na Rússia depois de 1917: o socialismo, com sua proposta de economia planejada, como primeira etapa do processo para ser chegar ao estágio do comunismo, foi interrompido sem chegar ao seu final.

Depois, você tenta explicar porque isso ocorreu: houve um desvirtuamento da idéia inicial da ditadura de uma classe social, que se transformou na ditadura de um partido e depois de um homem (Stalin); a necessidade de investir em armamentos para enfrentar a ameaça americana, impediu a melhoria na qualidade de vida de todo o povo; a falta de uma democracia interna gerou grandes focos de oposição, contidas apenas pela coerção policial; o apoio internacional para a União Soviética, granjeado pela sua liderança na luta contra o nazismo e fascismo durante a segunda guerra mundial, se esvaiu pela ação permanente de desconstrução dessa imagem pelos Estados Unidos, pela mídia do mundo inteiro e pela Igreja.

É claro que seus adversários não vão concordar com isso. Então, você pode acrescentar que a curta existência do chamado “socialismo real” na União Soviética deixou pelo menos duas heranças importantes para quem vive nos países do “ocidente democrático”: a derrota do nazismo, que sem a resistência do Exército Vermelho, possivelmente teria se consolidado na Europa e o advento dos chamados “estados do bem estar social”, uma concessão dos governos capitalistas para afastar os trabalhadores dos “maus exemplos” do comunismo igualitário.

Aí, você chega ao ponto principal: o fato de não ter dado certo lá, não nos impede de pensar que se pode tentar de novo. O capitalismo levou quantos séculos para sobrepujar os antigos sistemas, escravagista e depois feudal? Quantas idas e vindas? E mesmo hoje, quando parece solidificado na América do Norte e na Europa Central, que tipo de benefícios ele traz para a maioria da população?

Esta é grande pergunta que deve ser feita: o capitalismo é capaz de levar a felicidade para a maioria das pessoas?


Nossa resposta será também de milhões de outras pessoas: não!

E o comunismo?

Talvez possa, corrigindo os erros do passado.

Rosa Luxemburgo disse uma vez que o dilema a ser enfrentado é: “socialismo ou barbárie”, complementado hoje por István Mészáros de que “barbárie … se tivermos sorte, porque o extermínio da humanidade é um elemento inerente ao curso do desenvolvimento destrutivo do capital”.

Então, respondendo as primeiras perguntas desse texto: você é comunista porque você não quer viver na barbárie e pela mesma questão ética proposta, quando a Revolução Francesa já se encaminhava para consolidação da ordem burguesa, por Babeuf e os “Sans-Culottes”, de que “o fim da sociedade é a felicidade comum e a Revolução deve assegurar a igualdade dos usufrutos”.


Líder da Conspiração dos Iguais, Babeuf foi executado na guilhotina em 1797, mas muitos de suas idéias serviram de inspiração para Marx e Engels formularem as bases de uma sociedade comunista que Lênin e Trosky tentaram colocá-la em prática na Rússia.






* Marino Boeira é professor universitário


Fonte: Sul21
Imagem: Google



segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Equador: imposto bancário maior para financiar planos sociais


Rafael Correa é avaliado como ótimo ou bom por 80% dos equatorianos

A Assembléia do Equador começou a debater na sexta-feira (26) uma reforma para elevar o ônus tributário sobre os bancos. Com o plano, o presidente Rafael Correa espera captar cerca de 200 milhões de dólares para financiar a ampliação de planos sociais no país.


Correa, que poderá se candidatar à reeleição no pleito de fevereiro de 2013, impulsiona a iniciativa com o argumento de as “gigantescas” utilidades dos bancos devem ser socializadas.

“Deve ser exigido que tenham uma maior capacidade econômica que suportem um maior ônus tributário”, disse o Governo no projeto de lei remetido, na última hora da quinta-feira (25), à Assembléia Nacional para sua aprovação em um prazo de 30 dias.

O projeto propõe um imposto de 3% anual aos “rendimentos graváveis” das instituições financeiras privadas e emissoras de cartões de crédito. O Governo assegura que os bancos privados obtiveram lucros de cerca de 601 milhões de dólares em 2011, uma alça de 36% frente às que informaram no ano anterior.

O presidente busca recursos para financiar o aumento de um subsídio estatal que entrega diretamente a quase dois milhões de equatorianos dos estratos de maior pobreza. Seu plano é elevar essa ajuda de 35 para 50 dólares a partir do próximo ano, o que requer cerca de 320 milhões de dólares, segundo números oficiais.

O mandatário triplicou o investimento social nos cinco anos, o que elevou seu nível de aceitação entre os setores mais pobres da população.




Fonte:Vermelho
Imagem: Reuters

domingo, 28 de outubro de 2012

A mídia castiga Cristina





Este vídeo mostra o que se esconde por trás dos ataques sistemáticos da mídia brasileira contra a presidenta da Argentina, Cristina Kirchner.

Para entender o jogo da mídia contra o que chamam de “kirchnerismo” é importante contextualizar a situação. Antes, vamos usar uma analogia metafórica.

Você mora numa grande cidade em que três padarias controlam a qualidade, a variedade e o preço dos pães que você consome. E uma antiquada lei diz que só os políticos podem liberar concessões para novas padarias. E a maioria dos políticos (responsáveis pela tal lei) são donos das padarias; ou amigos destes; ou representantes dos mesmos. Daí, um governante assume a responsabilidade para criar uma nova lei que visa quebrar o cartel, dificultar o monopólio e facilitar o surgimento de novas padarias. O que faz o sindicato dos donos das padarias? Começa a espalhar panfletos dizendo que o governante quer controlar a produção de pães na cidade e ameaça a sua liberdade de escolher o pão que você vai comer. Agora, imagine se, em vez de mandar imprimir panfletos, os donos das padarias fossem donos de todos os meios de comunicação (jornal, rádio, tv etc) disponíveis. E tente imaginar se, em vez de pãezinhos, os produtos em questão fossem as notícias que influenciam a vida todos na cidade. Uma vez exposta esta metáfora, vamos conhecer um pouco a história da imprensa na Argentina para entender o que isto tem a ver com o Brasil.

Na Argentina, a grande mídia privada era tradicionalmente “chapa-branca”, principalmente a partir de 1978 — quando o ditador Rafael Videla praticou de forma criminosa a expropriação da empresa Papel Prensa, que detinha o monopólio da produção de papel no pais. Videla cedeu a Papel Prensa para três grupos: Clarin, La Nacion e La Razion (Hoje com prevalência do Clarin e o La Nacion). A contrapartida para tal “caridade” era clara: os grupos teriam que ter um “objetivo comum”, ou seja, dar vazão ao “projeto” de um governo ditatorial, corrupto, violento e entreguista. Com tal golpe, os grupos empresariais passaram a controlar toda a imprensa escrita e adquiriu um poder extraordinário, cartelizando o setor e esmagando a concorrência. Inclusive, correm hoje na justiça da Argentina processos que cuidam de julgar graves acusações de crimes — seqüestros, assassinatos etc — cometidos por conta do golpe na Papel Prensa.

Ante o nebuloso passado, não é difícil entender o porquê de os grupos Clarin e La Nacion terem assumido, até o governo Duahlde (antecessor de Nestor Kirchner), uma postura “chapa-branca”. Pois qualquer governante que ousasse pôr a mão no vespeiro da sórdida história por trás dos poderosos barões da mídia, obviamente perderia a “simpatia” dos mesmos. Foi o que fez Nestor Kirchner. Sua sucessora, Cristina Kirchner, foi mais além: deu amplo apoio à reformulação das antiquadas leis das comunicações que davam suporte às injustiças; ao monopólio. É a chamada Ley de Médios — uma revolução na democratização das comunicações –, reverenciada pela maioria dos jornalistas argentinos e que o relator da ONU para a liberdade de expressão, Frank La Rue, definiu como “a mais avançada legislação em favor da liberdade de expressão da América Latina e um exemplo para o mundo”. Assim, é tremenda má-fé dizer que Cristina Kirchner estaria cerceando a liberdade de imprensa porque a grande mídia faz oposição ao governo dela. Porque se você raciocinar bem, para o “kirchnerismo” seria muito mais cômodo deixar tudo como está: a grande imprensa elogiando o governo de um lado e a histórica injustiça assombrando de outro lado, com a prevalência do jornalismo chapa-branca monopolizando as verbas publicitárias e sufocando a maioria representada pelos milhares de outros periódicos “não-alinhados” à oligarquia; as rádios não-comerciais etc.

No Brasil, após sistemáticas críticas dos organismos internacionais contra as capengas leis das telecomunicações (permitindo, por exemplo, o clientelismo na distribuição das concessões de rádios e tevês), em 1998 o governo de FHC resolveu fazer uma reformulação meia-boca na legislação.

Mas cerca de 70% dos parlamentares que formularam e aprovaram tal legislação eram donos de rádios e tevês ou estavam a serviço destes, ou seja, criou-se uma lei que veio muito mais para restringir do que democratizar o setor.

Em suma: criaram uma nova lei que ainda traz graves reflexos dos tempos da ditadura. A nova lei em estudo no Congresso Nacional visa acabar com as vergonhosas barreiras para a distribuição de concessões de rádios e TVs e coibir o monopólio nas comunicações. Mas o jogo é duríssimo.

Para barrar tal lei, a chamada “grande mídia” brasileira bolou um fantasma chamado “ameaça contra liberdade de imprensa” na imagem da “ditatorial” presidenta da Argentina e quase todos os dias martela tal “ameaça” nos seus noticiosos.


Fonte: Midiacrucis's Blog

sábado, 27 de outubro de 2012

Vídeo e imagem em campanha ofensiva contra a Presidenta Cristina Kirchner


Contra a lei de meios de comunicação na Argentina Banda radicada em Miami "The Rockadictos" produz vídeo ofensivo contra a Presidente Cristina Kirchner e o povo argentino. 

Clique aqui para ver o vídeo




Capa da Revista  Notícias na Argentina 




Fonte: Youtube, Yahoo argentina


É esse o tipo de liberdade de Imprensa que os argentinos merecem???

Alguém ainda tem dúvidas de que a lei de meios de comunicação será benéfica para a Argentina?

Burgos Cãogrino





Grupo Clarín se nega a cumprir lei de meios de comunicação e convoca população para destituir Cristina kirchner




Grupo Clarín se nega a cumprir lei de meios de comunicação na Argentina


Uma forte ofensiva do Grupo Clarín, com o apoio de setores da oposição, tenta evitar o cumprimento da decisão da Suprema Corte de Justiça da Argentina que deu como prazo limite o próximo 7 de dezembro para o Clarín cumprir com os termos da lei de meios audiovisuais. A ofensiva inclui uma campanha midiática antigovernamental com procedimentos que afetam em vários casos a ordem.


Por Stella Calloni, no La Jornada

A oposição no Congresso homenageou nesta quinta-feira (25) os juízes do Conselho da Magistratura que teriam que se apresentar perante a justiça para explicar as graves irregularidades na nomeação de magistrados, entre eles, o que deve agir para superar a liminar, com a qual o Grupo Clarín conseguiu até agora escapar da aplicação da lei, que estabelece um limite para cada grupo midiático de 35% do mercado, 10 licenças no espectro eletromagnético e 25% de canal a cabo.

Veja na TV Vermelho

Saiba por que Lei dos Meios argentina é um modelo para o mundo



A Suprema Corte indicou que no próximo 7 de dezembro vence o prazo da liminar que permite ao Grupo Clarín não cumprir em sua totalidade a lei sancionada pelo Parlamento há mais de 3 anos para substituir a antiga norma que vigorava desde a ditadura passada (1976-1983).

A liminar aponta para artigo 161 da lei dos meios, que obriga os grupos mediáticos com mais licenças que as permitidas pela lei, a se adequarem conforme indica a norma.

O Grupo Clarín tem mais de 240 sistemas de TV a cabo, 19 rádios AM, FM e quatro canais de TV aberta, passando a configurar um monopólio e uma rede nacional ilegal.


Cartas marcadas

Desta maneira a justiça converteu-se num cenário de batalha entre juízes — muitos deles ainda atuam desde a época da ditadura e jogam em favor de interesses econômicos, aos quais corresponderam em diversos momentos da história local.

Os oito juízes citados nesta quinta (25) prestaram depoimento na Comissão de Disciplina e Acusação no marco da denúncia das irregularidades em designações no tribunal que lida com a lei dos meios.

Também foi citado o juiz aposentado Raúl Tettamanti, que teve que renunciar após ter sido nomeado irregularmente para ditar a sentença na causa imposta pelo grupo Clarín, ao qual está ligado.


Democratizar a comunicação

Martín Sabatella, dirigente do Nuevo Encuentro, um partido de esquerda aliado ao governo, é o novo titular da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação (AFSCA) criada pelo artigo desta lei para controlar a aplicação da mesma — alertou que é um tema transparente e que se trata de cumprir uma lei aprovada por maioria no Congresso e respaldada pela Suprema Corte.

Trata-se de democratizar a informação e terminar com redes ilegais de monopólio, que asfixiam a verdadeira liberdade de informação e expressão, disse Sabatella;


Ingerência

Diante desta situação, enquanto outros grupos já apresentaram as suas formas de desinvestimento, o Clarín se recusa a cumprir as normas e nesse ambiente incentiva uma campanha contra o governo, se fazendo de vítima dos monopólios midiáticos similares, criando um tenso cenário no país. Durante a recente reunião da patronal Sociedade Interamericana de Prensa (SIP) no Brasil, seus diretores decidiram ir para a Argentina no dia 7 de dezembro para apoiar o Grupo Clarín.

“É evidente que se trata de uma ingerência nos assuntos internos de um país e da justiça deste país. Virão para impedir a aplicação de uma lei votada pela maioria?”, se perguntam os analistas locais.


Desestabilização

Acusações, perseguições contra os funcionários do governo nacional, denúncias sem provas, vale tudo. Mentem dizendo que o jornal Clarín não será mais publicado, quando nada disso existe na lei. E, além disso, se o Grupo Clarín abrir mão de tudo o que significa ter uma posição de monopólio, continuará sendo o mais poderoso do país, explicam funcionários da AFSCA.

Recentemente, houve atos de violência contra jornalistas de meios governamentais em atos da oposição. Houve também casos de grupos violentos na frente das casas de funcionários do governo e apareceram notas difamatórias contra a presidenta Cristina Fernández de Kirchner, ministros, jornalistas e profissionais que defendem a lei dos meios.

Enquanto isso, a mais forte convocatória registrada nos últimos tempos para um panelaço geral é no próximo 8 de novembro com a “tomada” da Praça de Maio.

Isto isso circula há tempos e também existem chamados de desobediência ao governo. Convocam a julgar e destituir a presidenta em termos depreciativos ou simplesmente com um breve “participe que ela vai embora”. São instâncias evidentemente golpistas e desestabilizadoras.





Fonte: Vermelho
*Tradução: Do Vermelho,
Léo Ramirez
**Intertítulos do Vermelho

Por que a América Latina é um território vigiado




Por Romina Lascano


O conflito geoestratégico com a China, o futuro da América Latina e o interesse de Washington na região são o miolo do novo livro da analista Telma Luzzani, Territorios Vigilados, recentemente apresentado em Buenos Aires, que deixa claro como opera a rede de bases militares estadunidenses na América do Sul.

Segundo a autora, a ideia do livro foi amadurecendo pouco a pouco até que, em 2008, escreveu uma nota sobre a reativação por parte dos Estados Unidos da IV Frota do Comando Sul para patrulhar os Oceanos Pacífico e Atlântico.



"O que me perguntava nessa nota –assinala Telma- é por que razão os EUA teriam interesse em reativar uma frota semelhante poder de fogo no território onde, visivelmente, não havia nada que chamasse a uma guerra”.

"Falei com vários analistas e o resultado dessa nota era que, justamente, nossas riquezas, com os recursos naturais e mais as mudanças que estavam acontecendo no mundo em âmbito econômico e político, tornavam necessário para os Estados Unidos, militarizar a zona, para continuar mantendo seu poder e seu domínio”.

Depois ficou-se sabendo que o ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, naquele momento à frente do governo, havia acordado a presença de sete bases militares em seu país. Esse foi o início de uma investigação de vários anos e de um livro que tardou quase dois anos para ser publicado.

Com a colaboração dos jornalistas Emiliano Guido e Federico Luzzani, a autora começou a desenrolar o motivo que levou à instalação e manutenção das bases militares –que passaram de 14 (em 1938) para 30.000 (em 1945), das quais, ao finalizar a II Guerra Mundial, somente permaneceram abertas 2.000- sem conflito bélico à vista. Explica: "Todos os impérios tiveram bases militares. Os países que tem uma frota marítima significativa necessitam de lugares onde abastecer-se, treinar-se, acumular recursos. Então, as bases militares, na realidade, são parte da estrutura militar de uma potência”. "Quando os Estados Unidos converteram-se na maior potência juntamente com a União Soviética, após a II Guerra Mundial, decidem expandir suas bases em função de um projeto de dominação global”.

Segundo a jornalista, em cada período político e, de acordo com as circunstâncias, as bases vão mudando de características: "Uma base tradicional, grande, com muito pessoal é muito cara e é odiosa para o país que tem que alojá-la. Em geral, cria conflitos, traz problemas ambientais”. "Após a queda da União Soviética, os Estados Unidos redesenharam seu poder militar e decidiram em algum lugar deixar as bases tradicionais e, em outros, abrir novas bases ou substituir as que tinham por outras menores, dissimuladas, com pouco pessoal, que é rotativo. Para o governo que as aloja, é fácil convencer aos seus cidadãos de que não se trata de uma base militar...”.

Com relação ao critério empregado para situar as bases, a autora ressaltou que o mesmo é geoestratégico. "Está vinculado à guerra e ao comércio”. E aprofundou em uma das hipóteses de seu livro, o potencial conflito entre os Estados Unidos e a China rumo a 2016: "É somente uma projeção. 2016 será o ano assinalado pelo Banco Mundial como o momento em que, provavelmente, a China superaria aos Estados Unidos como primeira potência econômica do mundo. Os Estados Unidos não vão esperar por 2016 e que isso seja um fato consumado; essas coisas são resolvidas antes que aconteçam. Não sabemos se a China continuará o mesmo esquema expansionista dos Estados Unidos. Vamos rumo a um sistema que ainda não conhecemos”.



Nesse contexto, Luzzani analisou a papel da América Latina e ressaltou duas questões importantes. "Uma é que, pela primeira vez, os Estados Unidos têm que deslocar uma presença militar evidente, que, até que aparece a Base de Manta, isso não fazia falta porque havia uma quantidade significativa de governos militares, cuja linha de mando terminava diretamente no Pentágono. E, em segundo lugar, uma escassez de recursos naturais que, em nosso território, é abundante”.

Luzzani também busca desmascarar com seu texto a denominada irrelevância latino-americana. "Outra hipótese que trabalho no livro é o fundamento que diz que a América Latina não tem nenhuma importância para os Estados Unidos. Tento demonstrar que é exatamente ao contrário”. "É tão importante que, em geral, sempre está presente em seus primeiros objetivos sobre o que vai acontecer na região. Sem a América do Sul e a América central, os Estados Unidos não poderiam ser a potência que são”.

A jornalista argumentou que daí provém a necessidade de dominar a região e de separar o Brasil e a Argentina, união que considerou como "um dos piores pesadelos dos Estados Unidos”.

Telma Luzzani explicou que alguns fatos políticos não puderam ser incluídos no livro: "O que aconteceu com [Fernando] Lugo é importante porque eles têm uma base militar, que é a de Mariscal Estigarribia; que no Paraguai exista um governo como o de Lugo ou o de Federico Franco faz uma grande diferença. Nesse sentido, me interessava muito ampliar esse enfoque”.

Antecipou que poderia mudar algum capítulo para aprofundar sobre o processo de paz iniciado entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc): "O presidente Juan Manuel Santos surpreendeu muito. A Colômbia sempre foi o país aliado estratégico dos Estados Unidos. A presença do Plano Colômbia justificada pelo narcotráfico, pelo terrorismo, parece que vai por águas abaixo caso avance o processo de paz. Suponhamos que o processo seja um êxito e que o argumento do terrorismo e do narcotráfico se debilitam. Então, não se justificaria semelhante deslocamento militar”.

Em relação à reeleição do presidente venezuelano Hugo Chávez, a autora ressaltou que para os Estados Unidos é uma má notícia e ressaltou que esse país também está rodeado por bases militares norte-americanas. "Há bases que estão a 50 quilômetros da costa venezuelana. Estão também as bases da Colômbia. O modelo venezuelano, o tipo de política que é levado adiante na Venezuela é exatamente o que os Estados Unidos não gostariam que tivesse êxito, porque é totalmente contrário ao que eles disseram por toda a vida que era melhor”.

Na hora de desvelar se a América Latina pode libertar-se do controle norte-americano, Luzzani não deu lugar a dúvidas: "Se pensarmos nas riquezas que temos, creio que, no momento, é muito difícil que deixemos de ser um território vigiado”.




[Territorios vigilados. Como opera la red de bases militares norteamericanas en Sudamérica; Editorial Debate, Buenos Aires, 560 páginas].



Fonte: IrãNews
Tradução: Adital

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Atílio Boron: Monopólios midiáticos na América Latina



“Não há erro: os meios de comunicação simplesmente são grandes conglomerados empresariais que têm interesses econômicos e políticos. Na América Latina, os monopólios midiáticos têm um poder fenomenal que vêm cumprindo na função de substituir os partidos políticos de direita que caíram em descrédito e que não têm capacidade de chamar a atenção nem a vontade dos setores conservadores da sociedade”. Assim o politólogo e cientista social argentino Atilio Boron caracteriza a canalha midiática.


Por Fernando Arellano Ortiz, no Observatório Sociopolítico Latino-Americano

Nesse sentido, explica, "cumpre-se o que muito bem profetizou Gramsci há quase um século, quando disse que diante da ausência de organizações da direita política, os meios de comunicação, os grandes diários, assumem a representação de seus interesses; e isso está acontecendo na América Latina”. Em praticamente todos os países da região, os conglomerados midiáticos converteram-se em "operadores políticos”.

Atilio Boron
Boron, que dispensa apresentação por ser um importante referente da teoria política e das ciências sociais em Iberoamérica, foi um dos expositores principais do 6º Encontro Internacional de Economia Política e Direitos Humanos, organizado pela Universidad Popular Madres de la Plaza de Mayo, que aconteceu em Buenos Aires, entre os dias 4 e 6 de outubro.

Tópicos como a crise estrutural do capitalismo, o fenômeno da manipulação dos monopólios midiáticos e o que significa para a América Latina o triunfo de Hugo Chávez foram tratados com profundidade por esse destacado politólogo, sociólogo e investigador social, doutorado em Ciências políticas pela Universidade de Harvard e, atualmente, diretor do Programa Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais do Centro Cultural da Cooperação Floreal Gorini, na capital argentina.

Rumo a um projeto pós-capitalista

No desenvolvimento de sua exposição no encontro da Universidad Popular de Madres de la Plaza de Mayo, Boron analisou o contexto da crise capitalista.

"Hoje em dia é impossível referir-se à crise e à saída da mesma sem falar do petróleo, da água e das questões meio ambientais. Essa é uma crise estrutural e não produto de uma má administração dos bancos das hipotecas subprime”.

Recordou que, recentemente, foram apresentadas propostas por parte dos Prêmios Nobel de Economia para tornar mais suave a débâcle capitalista. Uma, a esboçada por Paul Krugman, que propõe revitalizar o gasto público. O problema é que os Estados Unidos estão quebrados e o nível de endividamento das famílias nos Estados Unidos equivale a 150% dos ingressos anuais. "Krugman propõe dar crédito ao Estado para que estimule a economia. Porém, os Estados Unidos não têm dinheiro porque decidiram salvar os bancos”.

Amartya Sem
A outra proposta é de Amartya Sem, que analisa a situação do capitalismo como uma crise de confiança e é muito difícil restabelecê-la entre os poupadores e os banqueiros devido aos antecedentes desses últimos. Por isso, essas não deixam de ser "pseudo explicações que não levam à questão de fundo. Não explicam porque caem os índices do PIB e sobem as bolsas. Ambos índices estariam desvinculados e as bolsas crescem porque os governos injetaram moeda ao sistema financeiro”.

A crise capitalista serviu para acumular riqueza em poucas mãos, uma vez que "o que os democratas capitalistas fizeram no mundo desenvolvido foi salvar os banqueiros, não os endividados, ou seja, as vítimas”.

Exemplificou com as seguintes cifras: enquanto o ingresso médio de uma família nos Estados Unidos é de 50 mil dólares ao ano, o daqueles de origem latina é de 37 mil e o de uma família negra é de 32 mil, o diretor executivo do Bank of America, resgatado, cobrou um salário de 29 milhões de dólares.

Então, é evidente que cada vez mais há uma tendência mais regressiva de acumular riqueza em poucas mãos. Em trinta anos, o ingresso dos assalariados foi incrementado em 18% e o dos mais ricos cresceu 238%.

"No capitalismo desenvolvido houve uma mutação e os governos democráticos transformaram-se em plutocracias, governos ricos”. Porém, além disso, "o capitalismo se baseia na apropriação seletiva dos recursos”.

Por isso, citando o economista egípcio Samir Amin, Boron afirma sem medo que "não há saída dentro do capitalismo”.

Como alternativa, Boron sustenta que "hoje, pode-se pensar em um salto para o modelo pós-capitalista. Há algo que pode ser feito até que apareçam os sujeitos sociais que darão o ‘tiro de misericórdia’ no capitalismo. O que se pode fazer é desmercantilizar tudo o que o capitalismo mercantilizou: a saúde, a economia, a educação. Assim, estaremos em condições de ver o amanhecer de um mundo mais justo e mais humano”.

A reeleição na venezuela

Sobre a matriz de opinião que os monopólios midiáticos da direita têm tentado impor no sentido de que a reeleição do presidente Chávez é um sintoma de que ele quer se perpetuar no poder, a análise de Boron foi contundente:

"Há um grau de hipocrisia enorme nesse tema, porque os mesmos que se preocupam com o fato de Chávez estar por 20 anos no governo, aplaudiam fervorosamente a Helmut Kohl, que permaneceu no poder por 18 anos, na Alemanha; ou Felipe González, por 14 anos, na Espanha; ou Margaret Thatcher, por 12 anos, na Inglaterra”.

"Há um argumento racista que diz que somos uma raça de corruptos e imbecis; que não podemos deixar que as pessoas mantenham-se muito tempo no poder; ou há uma conveniência política, que é o que acontece ao tentarem limar as perspectivas de poder de líderes políticos que não são de seu agrado. Agora, se Chávez instaurasse uma dinastia onde seu filho e seu neto herdassem o poder, eu estaria em desacordo. Porém, o que Chávez faz é dizer ao povo que eleja; e, em âmbito nacional, por um período de 13 anos, convocou o povo venezuelano para 15 eleições, das quais ganhou 14 e perdeu uma por menos de um ponto; e, rapidamente, reconheceu sua derrota. Então, não está dito em nenhum lugar sério da teoria democrática que tem que haver alternância de lideranças, na medida que essa liderança seja ratificada em eleições limpas e pela soberania popular”.





Tradução: Adital
Fonte: Vermelho
Imagem: Google

A paz é possível



As intervenções de Humberto de La Calle Lombana e de Iván Márquez na instalação da Mesa de Diálogos em Oslo, Noruega, na quinta-feira da semana passada (18) colocaram as enormes diferenças e contradições políticas e ideológicas entre as duas partes, o que revela a complexidade dos debates e discussões que ocorrerão em Havana, Cuba.

Por Carlos Lozano*


Era previsível, pois se trata de partes antagônicas que não se reúnem para trocar elogios, mas para discutir suas diferenças.

Iván Márquez representa uma guerrilha que por anos tem buscado o poder pela via das armas, com uma proposta revolucionária de transformação avançada da sociedade.

Enquanto Humberto de La Calle Lombana é o porta-voz de um governo que considera inamovível o modelo atual de acumulação de economia de livre economia neoliberal, em crise nos países capitalistas mais desenvolvidos do planeta.

Não há razão,então, para tanto protesto, desespero e pessimismo que fomentam os grandes meios de comunicação.

O discurso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército Popular (Farc-EP) não se afasta muito do que um partido político de esquerda ou um sindicato e organização populares defenderiam no marco da precariedade da democracia. O governo deveria pensar até onde está disposto a chegar, se é que se quer a paz, nas mudanças políticas, sociais e econômicas para erradicar as eternas causas do conflito colombiano.

 A agenda não exclui a possibilidade de que no desenvolvimento de seus pontos se tenham em conta os graves problemas nacionais, como o estão exigindo setores sociais que são excluídos do processo de paz. Não se trata de reformas maximalistas, mas sim de acordos que fortaleçam a democracia e a justiça social. São essas as causas do conflito e a razão de ser de um novo pacto político e social para uma paz estável e duradoura.

 Ao governo e ao grande capital não agradam as mudanças progressistas e de maior equidade social; sentem medo das reformas democráticas porque elas ameaçam seu enorme poder político e econômico. Ficou demonstrado nos processos de paz anteriores com as Farc e o Exército de Libertação Nacional (ELN), todos frustrados, porque quando era inevitável abordar os temas de fundo buscaram com afã o pretexto para a ruptura. Nesta ocasião, como existe a agenda acordada e de entrada têm que abordá-la, pretendem reduzi-la à mínima expressão.

Como tudo, como o começo foi de apresentação das posições, não há por que entrar em desespero, pois ambas as partes declararam a vontade de paz. É imprescindível a criatividade e a audácia para aplainar o caminho à solução política dialogada. O mais importante é buscar o silêncio dos fuzis e isso dependerá da profundidade das mudanças. Ambas as partes estão em pé de igualdade e de condições. O governo e os grandes meios de comunicação devem abandonar a falácia de que a guerrilha está derrotada e de que golpeando-a será obrigada a render-se.


Esse método fracassou ao longo de quase cinco décadas e só serviu para prolongar o conflito de maneira indefinida. Sobra a advertência de que o governo não seja refém do processo com inspiração a ultimato. O balanço periódico deve ser para dinamizar o diálogo, não para acabá-lo. O tempo deve ser razoável, o necessário para abordar uma agenda que é de discussão e sobre a qual ainda não existe um só acordo.

Os grandes meios de comunicação deram um mau exemplo ao saírem do ar quando começou a coletiva de imprensa com os porta-vozes das Farc. Sinal de intolerância e de infantil retaliação.



(*) Diretor do semanário colombiano Voz


Fonte: www.pacocol.org
Retirado do site Vermelho
Imagem: Google

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O sonho do ministro Joaquim Barbosa pode virar pesadelo





Via Jader Resende

Publicado originalmente em 11 de outubro de 2012 – AfroPress - por Ramatis Jacino
Enviado por Alfredo Pereira dos Santos
Extraído do blog “Em lugar de uma carta”


Comentário de Adriano Ferrarez: Brilhante esse texto de Ramatis Jacino. É uma das melhores reflexões que li nos últimos tempos. Traz à tona a ilusão de muitos “fodidos”, como diria Oscar Niemeyer, que se embriagam com a ascensão e viram as costas para a sua origem de classe e se aliam com as elites. Esse texto de Ramatis lança luz classista sobre esse episódio do julgamento do mensalão.
Importante também a reflexão que faz sobre alguns militantes que como diria Raulzito: “Travam a inútil luta com os galhos, sem saber que é lá no tronco que tá o curinga do baralho”. Joaquim Barbosa verá seu sonho virar pesadelo logo, logo. Matéria do jornal dos Marinhos de 30 de setembro de 2012 traz como título:
“E depois do mensalão? Entre a firmeza e o destempero, um futuro desafiador - Amigos e até rivais tentam erguer blindagem para evitar tensões na gestão de Barbosa à frente do STF”
Já começou e a tendência é piorar. Leiam mais de uma vez se puderem. Esse texto é uma verdadeira aula.


Negros que escravizam e vendem negros na África, não são meus irmãos
Negros senhores na América a serviço do capital, não são meus irmãos
Negros opressores, em qualquer parte do mundo, não são meus irmãos...


Solano Trindade



*Ramatis Jacino, presidente do Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (INSPIR)












O racismo, adotado pelas oligarquias brasileiras para justificar a exclusão dos negros no período de transição do modo de produção escravista para o modo de produção capitalista, foi introjetado pelos trabalhadores europeus e seus descendentes, que aqui aportaram beneficiados pelo projeto de branqueamento da população brasileira, gestado por aquelas elites.

Impediu-se, assim, alianças do proletariado europeu com os históricos produtores da riqueza nacional, mantendo-os com ações e organizações paralelas, sem diálogos e estratégias de combate ao inimigo comum. Contudo, não há como negar que o conjunto de organizações sindicais, populares e partidárias, além das elaborações teóricas classificadas como “de esquerda”, sejam aliadas naturais dos homens e mulheres negros, na sua luta contra o racismo, a discriminação e a marginalização a que foram relegados.

No campo oposto do espectro ideológico e social, as organizações patronais, seus partidos políticos e as teorias que defendem a exploração do homem pelo homem, que classificamos de “direita”, se baseiam na manutenção de uma sociedade estamental e na justificativa da escravidão negra, como decorrência “natural” da relação estabelecida entre os “civilizados e culturalmente superiores europeus” e os “selvagens africanos”.

É equivocada, portanto, a frase de uma brilhante e respeitada filósofa negra paulistana de que “entre direita e esquerda, eu sou preta”, uma vez que coloca no mesmo patamar os interesses de quem pretende concentrar a riqueza e poder e àqueles que sonham em distribuí-la e democratizá-la. Afirmação esta, que pressupõe alienação da população negra em relação às disputas políticas e ideológicas, como se suas demandas tivessem uma singularidade tal que estariam à margem das concepções econômicas, de organização social, políticas e culturais, que os conceitos de direita e esquerda carregam.

As elites brasileiras sempre utilizaram indivíduos ou grupos, oriundos dos segmentos oprimidos para reprimir os demais e mantê-los sob controle. Capitães de mato negros que caçavam seus irmãos fugidos, capoeiristas pagos para atacarem terreiros de candomblé, incorporação de grande quantidade de jovens negros nas polícias e forças armadas, convocação para combater rebeliões, como a de Canudos e Contestado, são exemplos da utilização de negros contra negros ao longo da nossa história.

Havia entre eles quem acreditasse ter conquistado de maneira individual o espaço que, coletivamente, era negado para o seu povo, iludindo-se com a idéia de que estaria sendo aceito e incluído naquela sociedade. Ansiosos pela suposta aceitação, sentiam necessidade de se mostrarem confiáveis, cumprindo a risca o que se esperava deles, radicalizando nas ações, na defesa dos valores dos poderosos e da ideologia do “establishment” com mais vigor e paixão do que os próprios membros das elites. A tragédia, para estes indivíduos – de ontem e de hoje - se estabelece quando, depois de cumprida a função para a qual foram cooptados são devolvidos à mesma exclusão e subalternidade social dos seus irmãos.

São inúmeros os exemplos deste descarte e o mais notório é a história de Celso Pitta, eleito prefeito da maior cidade do país, apoiado pelos setores reacionários, com a tarefa de implementar sua política excludente.

Depois de alçado aos céus, derrotando uma candidata de esquerda que, quando prefeita privilegiou a população mais pobre – portanto, negra – foi atirado ao inferno por aqueles que anteriormente apoiaram sua candidatura e sua administração. Execrado pela mídia que ajudou a elegê-lo, abandonado por seus padrinhos políticos, acabou processado e preso, de forma humilhante, de pijama, algemado em frente às câmeras de televisão. Morreu no ostracismo, sepultado física e politicamente, levando consigo as ilusões daqueles que consideram que a questão racial passa ao largo das opções político/ideológicas.

A esquerda, por suas origens e compromissos, em que pese o fato de existirem pessoas racistas que se auto intitulam de esquerda, comporta-se de maneira diversa: foi um governo de esquerda que nomeou cinco ministros de Estado negros; promulgou a lei 10.639, que inclui a história da África e dos negros brasileiros nos currículos escolares; criou cotas em universidades públicas; titulou terras de comunidades quilombolas e aprofundou relações diplomáticas, econômicas e culturais com o continente africano.
















O sonho realizado...

Joaquim Barbosa se tornou o primeiro ministro negro do STF como decorrência do extraordinário currículo profissional e acadêmico, da sua carreira e bela história de superação pessoal. Todavia, jamais teria se tornado ministro se o Brasil não tivesse eleito, em 2003, um Presidente da República convicto que a composição da Suprema Corte precisaria representar a mistura étnica do povo brasileiro.

Com certeza, desde a proclamação da República e reestruturação do STF, existiram centenas, talvez milhares de homens e mulheres negras com currículo e história tão ou mais brilhantes do que a do ministro Barbosa.

Contudo, nunca passou pela cabeça dos presidentes da República – todos oriundos ou a serviço das oligarquias herdeiras do escravismo – a possibilidade de indicar um jurista negro para aquela Corte. Foi necessário um governo de esquerda, com todos os compromissos inerentes à esquerda verdadeira, para que seu mérito fosse reconhecido.

A despeito disso, o ministro Barbosa, em uníssono com o Procurador Geral da República, considera não haver necessidade de provas para condenar os réus da Ação Penal 470. Solidariza-se com as posições conservadoras e evidentemente ideológicas de alguns dos demais ministros e, em diversas ocasiões procura ser “mais realista do que o próprio rei”.

Cumpre exatamente o roteiro escrito pela grande mídia ao optar por condenar não uma prática criminosa, mas um partido e um governo de esquerda em um julgamento escandalosamente político, que despreza a presunção de inocência dos réus, do instituto do contraditório e a falta de provas, como explicitamente já manifestaram mais de um dos integrantes daquela Corte.

Por causa “desses serviços prestados” é alçado aos céus pela mesma mídia que, faz uma década, milita contra todas as iniciativas promotoras da inclusão social protagonizadas por aquele governo, inclusive e principalmente, àquelas que tentam reparar as conseqüências de 350 anos de escravidão e mais de um século de discriminação racial no nosso país.

O ministro vive agora o sonho da inclusão plena, do poder de fato, da capacidade de fazer valer a sua vontade. Vive o sonho da aceitação total e do consenso pátrio, pois foi transformado pela mídia em um semideus, que “brandindo o cajado da lei, pune os poderosos”.

Não há como saber se a maximização do sonho do ministro Joaquim Barbosa é entrar para a história como um juiz implacável, como o mais duro presidente do STF ou como o primeiro presidente da República negro, como já alardeiam, nas redes sociais e conversas informais, alguns ingênuos, apressados e “desideologizados” militantes do movimento negro.

O fato é que o seu sonho é curto e a duração não ultrapassará a quantidade de tempo que as elites considerarem necessário para desconstruir um governo e um ex-presidente que lhes incomoda profundamente.

Elaborar o maior programa de transferência de renda do mundo, construir mais de um milhão de moradias populares, criar 15 milhões de empregos, quase triplicar o salário mínimo e incluir no mercado de consumo 40 milhões de pessoas, que segundo pesquisas recentes é composto de 80% de negros, é imperdoável para os herdeiros da Casa Grande. Contar com um ministro negro no Supremo Tribunal Federal para promover a condenação daquele governo é a solução ideal para as elites, que tentam transformá-lo em instrumento para alcançarem seus objetivos.

O sonho de Joaquim Barbosa e a obsessão em demonstrar que incorporou, na íntegra, as bases ideológicas conservadoras daquele tribunal e dos setores da sociedade que ainda detém o “poder por trás do poder” está levando-o a atropelar regras básicas do direito, em consonância com os demais ministros, comprometidos com a manutenção de uma sociedade excludente, onde a Justiça é aplicada de maneira discricionária.

A aproximação com estes setores e o distanciamento dos segmentos a quem sua presença no Supremo orgulha e serve de exemplo, contribuirão para transformar seu sonho em pesadelo, quando àqueles que o promoveram à condição de herói protagonizarem sua queda, no momento que não for mais útil aos interesses dos defensores do “apartheid social e étnico” que ainda persiste no país.

Certamente não encontrará apoio e solidariedade nos meios de esquerda, que são a origem e razão de ser daquele que, na Presidência da República, homologou sua justa ascensão à instância máxima do Poder Judiciário. Dos trabalhadores das fábricas e dos campos, dos moradores das periferias e dos rincões do norte e nordeste, das mulheres e da juventude, diretamente beneficiados pelas políticas do governo que agora é atingido injustamente pela postura draconiana do ministro, não receberá o apoio e o axé que todos nós negros – sem exceção – necessitamos para sobreviver nessa sociedade marcadamente racista.




*Ramatis Jacino é professor, mestre e doutorando em História Econômica pela USP e presidente do INSPIR – Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial.










Fonte: Jader Resende
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...