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terça-feira, 17 de dezembro de 2013
Efeito Dominó Sírio no poder dos EUA
The Saker, Asia Times Online. Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu.
Depois da ratificação pelas partes do recente Plano Conjunto de Ação entre Irã e o P5+1, vale a pena olhar novamente par a narrativa oficial que explica essa “solução repentina”. É alguma coisa como:
O Irã era governado pelo presidente Ahmadinejad, notório antissemita e negador do Holocausto, que fez tudo que pode para negar à comunidade internacional os direitos de monitorar que ela exigia e para manter desimpedido e no curso o programa nuclear iraniano. Então, o povo do Irã elegeu Hassan Rouhani, um moderado, que aceitou os termos dos países do P5+1 e afinal se assinou um acordo.
Essa é, no geral, a versão oficial. Evidentemente, cada frase no parágrafo acima é puro, absoluto nonsense.
O novo presidente do Irã
O Irã não é governado pelo presidente, mas pelo Supremo Líder, Aiatolá Ali Khamenei, que seleciona os seis dos 12 membros do Conselho de Guardiões os quais, por sua vez, apreciam, com poder de vetar, o nome de todos os aspirantes a candidatos presidenciais antes de que se possam apresentar às eleições, e que também podem vetar qualquer decisão do Parlamento Iraniano. O Supremo Líder também indica todos os membros do Conselho do Discernimento da Conveniência [ing. Expediency Discernment Council] que pode decidir desacordos entre o Parlamento e o Conselho de Guardiões.
Hassan Rouhani foi nomeado membro do Conselho do Discernimento da Conveniência pelo Aiatolá Ali Khamenei e sua candidatura para concorrer à presidência também foi aprovada pelo Conselho de Guardiões. Em outras palavras, não só Mahmoud Ahmadinejad jamais teve a autoridade política para tomar decisões políticas cruciais; seu sucessor tem 100% da aprovação do Supremo Líder. Assim, embora haja muito clara diferença de estilo entre Ahmadinejad e Rouhani, é ridículo sugerir que a troca do primeiro pelo segundo seria a causa real da solução “repentina” nas negociações entre o P5+1 e o Irã. Fato é que Rouhani tem total apoio do Supremo Líder e que sua eleição, embora não seja trivial, não pode ser considerada como alguma real mudança nas políticas iranianas, inclusive nucleares.
P5+1?
A imprensa-empresa fala do P5+1 como se fosse um corpo constituído de parceiros mais ou menos iguais, tomando decisões conjuntas. Mais nonsense. Quem são o P5+1? Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU “mais” a Alemanha: China, França, Rússia, Reino Unido, EUA e Alemanha (+1), oficialmente acrescentado por razões econômicas. “P5+1” é nome errado. O certo seria “1+1(+4)”:
Os que contam (EUA e Rússia) e os que não contam (China, que está muito feliz por acompanhar a liderança russa nessa questão, França, Reino Unido e Alemanha (que fingirão ter opinião própria, mas deixam os EUA falar sozinhos em todos os assuntos sérios). E dado que a Rússia de Putin é forte aliada do Irã, sobra o “Grandão”, i.e, os EUA, como contraparte do Irã nas negociações.
A tal solução “repentina” nas negociações entre EUA e Irã explicar-se-ia mais facilmente se se considerasse que possa ter havido uma grande mudança, que afinal a tornou possível não no Irã., mas nos EUA?
Tenho interpretação diferente a oferecer.
Acredito firmemente que tudo começou em setembro, quando, depois de dias dramáticos, que por um triz não terminaram com um ataque dos EUA à Síria, Barack Obama teve de aceitar “o gambito de Putin”: os EUA não atacariam a Síria, em troca de total destruição do arsenal químico da Síria. Para mim, esse virada absolutamente tectônica da política externa dos EUA disparou o que chamarei de um “efeito dominó” que prossegue e que pode levar a novas mudanças inesperadas na política externa dos EUA.
Examinemos os eventos dessa sequência de dominós, um a um:
Dominó 1: Barak Obama aceita o gambito de Putin
Se foi o próprio Barack ou algum dos seus fantoches é irrelevante aqui. O presidente, como comandante-em-chefe é quem teve de anunciar que um acordo havia sido alcançado e que o ataque dos EUA à Síria seria adiado/descartado. Examinemos a(s) exata(s) razão(ões) por que os EUA tomaram essa decisão (e adiante voltaremos a essa questão crucial) e digamos apenas que foi mudança importantíssima pelas razões seguintes:
a) Significou que os EUA teriam de adiar e, com toda a probabilidade, desistir de um seu antigo objetivo – a “mudança de regime” na Síria.
b) Significou também que os EUA agora teriam de negociar com o governo sírio.
c) Dado que as armas químicas eram completamente irrelevantes para a dinâmica militar em campo e, dado que os EUA haviam-se comprometido a não atacar forças do governo, significou que os EUA desistiam essencialmente de seu plano, para ajudar os “rebeldes” a vencer a guerra.
d) Assim desapareceu o último pretexto(s) possível para que os EUA continuassem a impedir e evitar uma conferência Genebra-2. Dali em diante, os EUA tiveram de tratar Genebra-2 com seriedade, ou perder tudo.
Antes desse desenvolvimento, os EUA tinham dois modos possíveis para lidar com uma conferência Genebra-2: tentar sabotá-la ou tentar usar a oportunidade para conseguir alguma coisa. A partir do momento em que Obama aceitou o gambito de Putin, só restou a segunda opção. De fato, desde que a “mudança de regime” já claramente não é mais uma opção e, dado que a política externa dos EUA no Oriente Médio dependia de “mudança de regime” na Síria, os EUA agora têm de reconsiderar aquela política toda. Isso significou que a melhor opção possível para os EUA era tentar usar Genebra-2 para afinal poder fazer alguma coisa.
Mas há um truísmo que os diplomatas dos EUA tiveram de levar em conta: nenhuma solução será jamais alcançada na Síria, se não for aprovada pelo Irã. Em outras palavras, ao aceitar o gambito de Putin, os EUA não apenas se comprometeram com negociações com os sírios: também se comprometeram com negociações com os iranianos. Essa é a causa real da solução “repentina” no “P5+1 e Irã”: a derrota dos EUA na Síria literalmente forçou a Casa Branca a negociar com o Irã. Nesse ponto, continuar a bloquear as negociações sobre o programa nuclear iraniano tornou-se contraproducente e, dito sem meias palavras, absurdo.
Dominó 2: EUA e Irã finalmente chegam a um acordo na questão nuclear.
Como já escrevi várias vezes no passado, ninguém, nem nos EUA ,nem em lugar algum, realmente acredita que os iranianos estejam construindo uma bomba atômica secreta, ali, sob as barbas dos inspetores da AIEA (que continuam a trabalhar no Irã), ao mesmo tempo em que permanecem como membros normais do Tratado de Não Proliferação (nenhum estado membro do Tratado de Não Proliferação jamais desenvolveu armas atômicas).
O real objetivo dos EUA sempre foi impedir que o Irã se tornasse potência econômica regional e, se possível, achar um pretexto para isolar e desestabilizar o regime iraniano.
Quando aceita negociar com o Irã, os EUA não estão “tornando o mundo seguro, sem mulás armados com bombas atômicas”, mas, isso sim, aceitando a realidade de que o Irã é, e continuará a ser, uma superpotência regional. Isso é o que está realmente em jogo aqui. E toda aquela conversa sobre o Irã bombardear Israel num “2º Holocausto” não passa de folha de parreira usada para ocultar os reais objetivos políticos dos EUA.
Agora que os EUA desistiram da ideia de atacar a Síria, já não faz sentido algum continuar a agir como se um ataque ao Irã ainda fosse possível. E só restaram, então, duas soluções possíveis: deixar os iranianos fazerem o que querem e parecer ter falhado na tentativa de persuadir o Irã a levar em conta as objeções dos EUA; ou realmente encontrar um compromisso mutuamente aceitável que teria de ser vantajoso para os dois lados. Os EUA, espertamente, escolheram a segunda opção.
Até aqui, já caíram os dominós 1 e 2. Mas passemos os olhos pelo que pode acontecer em breve, se nada parar o momentum gerado por esses dois dominós.
Dominó 3: os dois grandes perdedores (Arábia Saudita e Israel)
É perfeitamente óbvio que sauditas e israelenses fizeram literalmente tudo que estava ao alcance deles para impedir a queda dos dominós 1 e 2, e que são agora os grandes perdedores. Os dois países odeiam e temem o Irã; os dois estão profundamente envolvidos na guerra síria; e os dois parecem ultrajados pelas ações da Casa Branca. Dado que tudo indica que haverá um acordo, sauditas e israelenses mandaram seus principais decisores (Bandar e Netanyahu) não a Washington, mas a Moscou, numa tentativa (inútil) para impedir que aconteça o que veem como catástrofe absoluta.
Agora que o acordo aconteceu, Israel e o Reino da Arábia Saudita já mostram todos os sinais de que “perderam” e recorrem a modalidades nuas e cruas de terrorismo para atacar seus inimigos. Segundo o Hezbollah, os sauditas estão por trás da bomba que explodiu na Embaixada Iraniana em Beirute; e os israelenses estão por trás do assassinato de um comandante do Hezbollah, também em Beirute. Pode-se desconsiderar essas acusações do Hezbollah, que têm motivação política.
Mas eu, pessoalmente, considero-as perfeitamente críveis, simplesmente porque “cabem” perfeitamente no quadro atual (e o Hezbollah, é preciso reconhecer, tem excelente currículo de só divulgar acusações verdadeiras). Mas, acreditem os outros no Hezbollah ou não, ninguém nega que há agora profundas tensões entre EUA e Arábia Saudita de um lado e, de outro, os EUA. Isso também explica a estranhíssima “reaproximação” em curso entre Israel e o Reino Saudita, os quais têm hoje um problema comum (os EUA) e muitos e muitos inimigos comuns (o primeiro e principal dos quais é o Irã, é claro).
Considerando o imenso poder do lobby israelense e o mais discreto, mas também muito poderoso, lobby saudita nos EUA, não é, não, de modo algum certo que essa nova aliança sauditas-israelenses não venha, eventualmente, a prevalecer sobre o que eu chamaria de “EUA antes de tudo” (em contraste com os “Israel antes de tudo”). Também voltarei a isso, adiante. Mas assumamos que as atuais políticas dos EUA não serão honradas e que os EUA, em seis meses ou mais, assinarão um tratado de longo prazo com o Irã. O que poderia acontecer na sequência?
Dominó 4: Dar adeus ao “escudo de defesa” antimísseis, dos EUA, na Europa?
Pense nisso: se os EUA aceitam a noção de que o Irã não desenvolverá armas nucleares, por que insistir em implantar um escudo de defesa antimísseis sobre a Europa? O ministro de Relações Exteriores da Rússia, Serguey Lavrov, já o disse claramente e essa provavelmente permanecerá como posição de política russa no futuro imediato: agora que a suposta “ameaça” iraniana foi contornada mediante negociações – por que os EUA implantariam sistemas de defesa antimísseis na Europa?
Claro, os EUA podem prosseguir com esse projeto, como se nada tivesse mudado, mas não seria lógico conversar, pelo menos com os russos, para ver se não se pode fazer algumas modificações no sistema antimísseis dos EUA, que satisfaçam o lado russo? Já tendo concordado com negociar com a Síria e com o Irã, não faria também algum sentido sentar seriamente com os russos e encontrar um compromisso aceitável para os dois lados?
Afinal, a Rússia (apoiada pela China, claro) pode facilmente impedir qualquer acordo entre EUA e Irã (por exemplo, com um veto no Conselho de Segurança da ONU), e isso deixaria os EUA em posição muito vulnerável na negociação. E, claro, uma quebra nas negociações entre EUA e Irã sobre a questão nuclear seria péssima notícia para os EUA na Síria. Fato é que os EUA precisarão desesperadamente da colaboração dos russos, para chegar a um acordo de longo termo com o Irã. E esse acordo, por sua vez, terá importantes consequências em inúmeras outras questões, entre as quais a política externa europeia.
Dominó 5: Fim do Drang nach Osten [al. “afã rumo ao leste”] europeu?
Nunca mais, desde os dias de Hitler, viu-se a Europa tão histericamente antirrussos, como na última década. Claro, parte dessa russofobia foi alimentada por necessidades da propaganda dos EUA, mas basta rápida olhada na imprensa europeia, para ver-se que o pior desse espancamento da Rússia vem realmente da Europa, especialmente da Grã-Bretanha. Quanto à União Europeia e a OTAN, a ofensiva de ambas rumo ao leste faz, sim, lembrar a de Hitler; a única diferença é que é feita por meios diferentes.
Claro, o revanchismo europeu ocidental é só parte do quadro. Há, definitivamente, um desejo, de muitos europeus orientais, de virarem “verdadeiros europeus”, combinado com uma esperança de que uma combinação de União Europeia e OTAN proteja-os contra a Rússia. Não importa que a Rússia não tenha qualquer mínimo interesse em invadi-los – e muitos leste-europeus temem, em termos genéricos, o que veem como uma superpotência ressurgente no Leste. E, se obter a “proteção” da OTAN e da União Europeia significa aceitar um status semi-colonial no império dos EUA… que seja. Melhor ser servo do império dos EUA, que servo no império russo. É uma posição ideológica que resiste aos fatos e à lógica. Muitos leste-europeus provavelmente entendem que a Rússia não tem interesse algum em invadi-los, e muitos devem saber que se unir à União Europeia foi desastroso em termos econômicos para países como a Bulgária ou os Estados Bálticos. Francamente, a maioria nem liga. Veem as autoestradas alemãs, as lojas francesas ou aeroportos holandeses e querem uma fatia daquela riqueza, mesmo que seja sonho induzido por fumaças.
Quanto aos europeus ocidentais, eles vergonhosamente alimentaram essa ilusão, prometendo muito e nada cumprindo. Quanto à OTAN, continua a seguir o exemplo de Hitler e tenta levar sua influência Cáucaso adentro. Resultado, a ofensiva União Europeia-OTAN espalha-se num “front” da Estônia, no Báltico, à Georgia, no Cáucaso – cópia exata da estratégia de Hitler para sua guerra contra a Rússia.
Hitler e o “Reich de mil anos” que ele prometera, sim, foi derrotado em apenas 12 anos; e a União Europeia não se sairá melhor. De fato, está mergulhada hoje numa crise sistêmica que não tem ideia de como superar.
Os modernos Kulturträgers
Não estou sequer falando só dos chamados países “PIGS” (Portugal, Itália, Grécia e [Spain] Espanha), mas também das nações que supostamente “se saíram melhor” do norte da Europa.
Vocês sabiam que apenas três, das 17 nações da Eurozona tem avaliação AAA de crédito? Ou que, embora nada menos que sete das nações de crédito mais bem avaliado do mundo estejam na Europa, a maioria delas ou não está integrada ao euro (Dinamarca e Suécia) ou não está integrada nem à União Europeia (Noruega e Suíça)?
Quem ainda tenha dúvidas sobre a absoluta magnitude da crise social e econômica que atingiu a Eurozona, deve ler o relatório recentemente publicado pela Federação Internacional da Cruz Vermelha e Crescente Vermelho, intituladoThink differently: humanitarian impacts of the economic crisis in Europe [Pensar diferente: os impactos humanitários da crise econômica na Europa] (e fico pensando: será que alguém na Ucrânia conhece esse relatório?).
A Europa está em crise profunda, o que obriga a perguntar: a Europa pode realmente custear uma nova Guerra Fria com a Rússia? E quanto aos EUA – precisa mesmo de uma nova Guerra Fria na Europa? Não estará mais do que na hora de pôr de lado esse ensandecido Drang nach Osten e aceitar que uma Europa não imperial terá muito mais a ganhar de uma parceria com a Rússia, que de outra Guerra Fria?
O tempo dirá quando cairá também esse último dominó. O que interessa aos nossos objetivos aqui não é prever acuradamente o futuro, mas examinar as oportunidades que outro futuro, assim diferente, ofereceria. Uma pergunta: se todos os dominós acima caíssem, os EUA estariam melhor ou pior? Pessoalmente, minha resposta é que os EUA sair-se-iam muitíssimo melhor, e também a Europa.
E se é assim, pode-se conjecturar, os EUA tropeçaram mesmo numa situação que desencadeou um efeito dominó, ou esse foi sempre o plano, desde o início?
É possível que algumas forças dos EUA tenham decidido usar o fracasso da política dos EUA na Síria, para disparar mudança muito maior?
Um projeto dos “EUA-em-primeiro-lugar-istas” [orig. USA-firsters]?
Como escrevi em postado recente, acredito que a presidência de Barack Obama resultou numa mudança de poder no “estado profundo” dos EUA, que afastou do Executivo os antes todo-poderosos neoconservadores e substituiu-os pelos que chamo “velhos anglo imperialistas”. Também podem ser chamados de “EUA-em-primeiro-lugar-istas” (em oposição aos “Israel-em-primeiro-lugar-istas” [orig. Israel-firsters). Regra geral, eles são atores muitíssimo mais sofisticados que os neoconservadores.
Tipicamente, os EUA-em-primeiro-lugar-istas são mais bem educados, mais cautelosos nos discursos e métodos e, diferentes dos neoconservadores, podem contar com o apoio patrioticamente inclinado dos norte-americanos das Forças Armadas, do Departamento de Estado, da CIA e outros. Por fim, têm a grande vantagem, sobre os neoconservadores, de que não precisam ocultar sua verdadeira agenda: na política exterior, cuidam antes e mais do que qualquer outra coisa, dos interesses nacionais dos EUA (internamente, é claro, os neoconservadores e os EUA-em-primeiro-lugar-istas são “1%” prototípicos, cujo real objetivo é defender seus interesses de classe, enquanto mantêm os remanescentes 99% em condições de quase servidão).
Assim sendo, é possível que essa “sequência de dominós” tenha sido deliberadamente iniciada pelos anglo-EUA-em-primeiro-lugar-istas, que teriam colhido a oportunidade para promover sua agenda, ao mesmo tempo em que mandam para fora do ringue os neoconservadores-Israel-em-primeiro-lugar-istas?
Analisemos outra vez o “dominó 1”.
Penso que preponderam as evidências de que Obama aceitou o gambito de Putin, contra um cenário de caos absoluto na Síria e nos EUA. Forças iranianas estavam entrando clandestinamente na Síria para lutar; uma poderosa força naval russa estava posicionada bem diante da costa síria; o Parlamento britânico recusou-se a apoiar um ataque à Síria; manifestações tomavam as ruas, nos EUA, por todo o país – e noutros locais – contra o ataque; e tudo indicava que o Congresso não aprovaria um ataque militar dos EUA à Síria. É difícil provar uma negativa, é claro. Mas penso que o primeiro dominó foi empurrado por todos esses fatores, muito mais do que resultou de mudança deliberada nas políticas dos EUA.
Nesse caso... E o “dominó 2”?
Diferente do dominó 1, há fortes provas de que o dominó 2 “caiu” claramente como resultado direto de uma decisão política tomada em Washington. Se aceitamos que a única mudança na presidência do Irã não passou de mudança cosmética, nesse caso temos de aceitar que os EUA decidiram deliberadamente abrir negociações com o Irã. Será que alguém na Casa Branca ou no estado profundo dos EUA deu-se conta de que a queda do “dominó 1” trazia reais oportunidades para os EUA e os interesses dos EUA-em-primeiro-lugar-istas, e decidiu acrescentar impulso ao “dominó 1”, suficiente para derrubar também o “dominó 2”?
Creio que a sequência de eventos na Síria e no Irã oferece, sim, fantástica oportunidade para os EUA, afinal, livrarem-se do legado desastroso de muitos anos de governo dos neoconservadores (na minha opinião, de 1993-2009).
Devo dizer imediatamente que não estou dizendo que os neoconservadores estão “fora”, dado que eles ainda controlam com mão de ferro a imprensa-empresa e o Congresso dos EUA.
Só estou dizendo que estou detectando sinais de uma grande mudança na política externa dos EUA, a qual parece estar-se libertando da aliança “wahabista-sionista” dos lobbies combinados de Arábia Saudita e Israel. Mais uma vez, o fato de que ambos, Netanyahu e Bandar sentiram a necessidade de viajar a Moscou para parar Washington é absolutamente sem precedentes, e engraçada; e tenho de interpretar o movimento como real sinal de pânico.
Até onde os EUA podem realmente ir?
Uma mudança na equação do poder dentro dos EUA absolutamente não significa mudança de regime, longe disso. Em muitas circunstâncias, os políticos norte-americanos continuarão a repetir, feito mantra, que “nada separa EUA e Israel”, continuará a genuflexão verbal ante tudo que tenha a ver com judeus, israelenses e o Holocausto. E é possível que a próxima fala do futuro primeiro-ministro israelense receba ovação ainda maior, quando falar ao Congresso dos EUA, que o presidente dos EUA. Mesmo assim, é também possível que, a portas fechadas, os israelenses e os sauditas ouçam reprimenda: “baixem o tom, senão...” e que o apoio dos EUA a esses dois regimes fique condicionado a nenhum deles cometer qualquer loucura (tipo atacar o Irã).
Examinemos outra vez os dominós 4 e 5
(basicamente, um breque nas políticas antirrussos), de um ponto de vista não sionista e não wahhabista: os EUA ganhariam ou perderiam, com esse tipo de desenvolvimento? Posso até perder algum dinheiro, porque talvez o “escudo” de mísseis de defesa europeu lá permaneça, mas os russos estão oferecendo duas soluções alternativas: ou os militares russos são admitidos como parceiros plenos nesse sistema (o que remove a ameaça à Rússia) ou levam todo o sistema para a Europa ocidental, bem longe das fronteiras russas (o que também remove a ameaça à Rússia).
Uma vez que a resposta assimétrica da Rússia (forças especiais, relocalização de lançadores de mísseis, mísseis especiais) derrotará, afinal, o tal sistema proposto... por que não aceitar ou uma ou outra das duas propostas russas?
Politicamente, acordo desse tipo abriria as portas para oportunidades muito mais importantes de colaboração (na Ásia Central e no Oriente Médio) e tiraria os EUA da “rota de colisão com o resto do planeta” em que estão presos desde 11/9.
Bem claramente: um acordo com a Rússia seria muito benéfico para os EUA.
E sobre a Palestina?
Nesse ponto, desgraçadamente, permaneço tão pessimista como antes. Como outras vezes em sua história, os palestinos mais uma vez cometeram o que se pode chamar de “suicídio estratégico”, ao decidir apoiar as forças anti-Assad na Síria. Outra vez, como no caso de Saddam, os palestinos aliam-se ao lado perdedor e, o que é ainda pior, seu único movimento de resistência mais ou menos decente (o Hamás) já foi agora tomado por interesses sauditas, o que basicamente também põe o Hamás sob controle de Israel, não menos que o Fatah.Hoje, o último movimento de resistência “real” que ainda sobrevive na Palestina é “Jihad Islâmica Palestina” [orig. Palestinian Islamic Jihad], mas é comparativamente pequeno e fraco e não pode ser parceiro em qualquer negociação real com EUA e Israel.
Nesse contexto, o mais provável é que os israelenses simplesmente imponham em campo qualquer “solução” que desejem, sem precisar negociar com nenhum grupo palestino. É muito triste e nada precisava ser assim, mas os palestinos, sim, fizeram o que fizeram, eles mesmos a eles mesmos; agora, só se podem culpar também eles mesmos.
Resumo, até aqui: na Palestina não se vê nenhum efeito dominó.
Conclusão: uma verdadeira janela de oportunidade
O futuro absolutamente não é certo, e os Israel-em-primeiro-lugar-istas e seus aliados sauditas têm muitas opções para reverter esse processo (imaginem Hillary, na presidência!!). E ainda é possível que os EUA consigam sair da rota de desastre na qual caminha há duas décadas e retornar a uma política externa mais tradicional, mais pragmática: permanecerá como potência imperial com objetivos imperialistas globais, mas, pelo menos, estará sendo movida por considerações pragmáticas (embora cínicas), não por interesses ideológicos estranhos e alheios aos EUA.
Em contraste com o que os EUA vêm fazendo ao longo das últimas duas décadas, é possível que os desenvolvimento no Oriente Médio convençam os EUA de que negociações e concessões são ferramentas mais efetivas de política externa, que ameaças e ações militares.
Historicamente, os Republicanos têm, comparativamente, melhor currículo de política externa que os Democratas, e psicopatas senis como McCain nunca foram líderes Republicanos típicos. Diferente disso, os Democratas norte-americanos sempre garantiram líderes ideológicos e arrogantes. A possibilidade muito real de Hillary vir a concorrer à presidência é indicador apavorante de que a atual fase de pragmatismo produtivo tenha vida bem curta. A boa notícia é que os dois partidos têm agora a chance de aproveitar o momento e indicar candidatos que sejam pelo menos meio sãos, não totalmente doidos, para a eleição presidencial. Claro: se a coisa se resumir a uma disputa Sarah Palin/Hillary Clinton, tudo sugere que o mundo tenha pela frente tempos muito, muito difíceis.
Mas se os “EUA-em-primeiro-lugar-istas” puderem chutar para longe os “Israel-em-primeiro-lugar-istas” que atualmente controlam as posições chaves dentro dos dois partidos (gente do tipo de Rahm Israel Emanuel), então, sim, há uma real possibilidade de que os EUA consigam livrar-se da atual subserviência aos interesses de sionistas e wahabistas, e retomar outra política externa, mais pragmática e mais razoável.
Mas… será que esses EUA-em-primeiro-lugar-istas realmente existem? Honestamente, não sei. Espero que existam e quero crer que a queda do dominó sírio ter sido seguida tão imediatamente pela queda do dominó iraniano pode ser sinal de que alguém dentro do estado profundo dos EUA decidiu usar essa oportunidade para, afinal, livrar os EUA da servidão a interesses alheios que, literalmente, sequestraram o país.
Se dentro de seis meses for firmado um acordo permanente entre o P5+1 e o Irã, e se mais ou menos ao mesmo tempo os EUA iniciarem negociações sérias com a Rússia, então, sim, um melhor cenário se tornará mais crível. Hoje, ainda é cedo para saber.
Fonte: Oriente Mídia
Imagem: Google
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