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sexta-feira, 14 de junho de 2013

O pesadelo da Coca-Cola e da Pepsi no Sudão



Por Simon Allison*


Os últimos ataques dos rebeldes sudaneses, num dos mais importantes centros de cultivo de goma-arábica, inquietam as multinacionais. A goma-arábica é responsável por não deixar o açúcar desprender-se da bebida gaseificada e empilhar-se no fundo da lata. Embora seja difícil precisar os números, o Sudão exporta algo entre 40% e 70% de toda goma-arábica mundial.


Em 1997, honrados legisladores do Congresso dos Estados Unidos estavam extremamente descontentes com o governo do Sudão, o qual acusavam de patrocinar o terrorismo e perseguir minorias religiosas. O problema real era simples: o Sudão havia oferecido refúgio a Osama Bin Laden, que já naquela época era um homem bastante impopular. Como punição, o Congresso norte-americano aprovou um pacote de duríssimas sanções que limitaram severamente a capacidade sudanesa de comércio e atrofiaram sua economia.

No entanto, antes que as sanções fossem aprovadas, lobistas que representavam algumas das maiores corporações norte-americanas lutaram para incluírem uma exceção. Eles obtiveram sucesso, como sempre lobistas bem financiados costumam obter. O artigo a ser dispensado era uma resina dura e translúcida conhecida como goma-arábica. O Sudão poderia exportar o quanto eles quisessem dessa goma.


A goma arábica é um produto muito interessante. A cadeia global de fornecimento de matéria-prima que abastece nosso mundo multinacional nos revela algumas coisas surpreendentes (como o coltan, mineral extraído das horríveis minas informais congolesas diretamente para seu novo lindo smartphone). A goma-arábica é a seiva endurecida de uma espécie específica de acácia que cresce no Sudão. Quando seca e pulverizada, ela pode ser usada no que chamamos de "emulcificante comestível", o que podemos traduzir em linguagem leiga como uma cola que podemos comer.



Por esta razão, costuma-se usá-la em produtos como goma de mascar e certos medicamentos. Mas, de longe, seu uso mais importante se dá em bebidas gaseificadas, onde a goma cumpre o papel essencial de ligar o açúcar à bebida; sem isso, o açúcar se desprenderia da solução e se empilharia no fundo da lata.

Embora seja difícil precisar os números, o Sudão exporta algo entre 40% e 70% de toda goma-arábica mundial, e a maioria provém ou passa pela pequena cidade empoeirada de El Obaid, numa província chamada Kordofan do Norte. Há outros lugares que produzem esta goma, mas eles tendem a ser tão politicamente instáveis (como, por exemplo, o Chade e a Eritréia) e a qualidade não é tão alta.


É irônico: de Kordofan do Norte, um lugar seco e empoeirado de um país arrasado pela pobreza, provém o ingrediente sem o qual um dos produtos mais lucrativos e icônicos do mundo não poderia ser produzido (ou pelo menos, não de forma tão barata).

Isto tudo é apenas uma pequena parte da explicação de por que os acontecimentos políticos no Sudão podem causar alguns momentos angustiantes para os executivos de empresas como a Coca-Cola e a Pepsi, que são os maiores destinatários da goma-arábica sudanesa (nenhuma das duas companhias revelarão a fonte de seus emulsificantes, provavelmente por causa da publicidade negativa que seria acarretada pela associação das suas imagens com o Sudão).

Em um ataque ousado e inesperado, rebeldes do Movimento por Justiça e Igualdade (MJI) capturaram a cidade de Umm Ruwaba na província de Kordofan do Norte. Umm Rawaba está localizada a 100km de El Obaid, e também é um centro de cultivo da goma-arábica.

Isto foi significativo por duas razões. Primeiro, este é um local distante de onde o MJI costuma realizar suas operações, que se concentram em Darfur (ao leste de Kordofan do Norte), indicando que as ações dos rebeldes possuem um alcance surpreendente. Em segundo lugar, o MJI conduziu o ataque sob a bandeira do Fronte Revolucionário Sudanês (FRS), uma coalizão militar de vários grupos rebeldes de diferentes áreas do Sudão. Essa não é a primeira operação a ser conduzida sob a bandeira do FRS, mas é uma das mais bem sucedidas. Além disso, Kordofan do Norte serve como uma ponte geográfica entre a praça forte do MJI em Darfur e a principal força do FRS, o Movimento do Norte para a Libertação do Povo (MNLP) operando em Kordofan do Sul e nos estados do Nilo Azul. É fácil enxergar o ataque a Umm Rawaba como uma tentativa experimental para transformar bolsões de resistência isolados em uma resistência mais unificada e abrangente.

O ataque ocorreu alguns dias depois de negociações sem sucesso entre o MNLP e o governo sudânes. "Eu acredito que esse ataque foi planejado pelos rebeldes depois do insucesso das conversas em Addis Ababa. É um aviso ao governo de que os rebeldes podem expandir sua luta por outras áreas," declarou um colunista sudanês, Abd al-Latif al-Bony, ao New York Times.

Não demorou, no entanto, para que as tropas sudanesas se organizassem e pressionassem os rebeldes, tirando-os de Umm Rawaba, de acordo com relatórios. Mas o governo sudanês recebeu a mensagem dos rebeldes: a rebelião se espalhou para Kordofan do Norte.

Essa é uma mensagem à qual corporações como a Coca-Cola e a Pepsi, preocupadas com sua cadeia global de fornecedores, estarão, sem dúvida, atentas.





*Simon Alisson é um jornalista residente na República da Somalilândia, especializado em questões geopolíticas africanas e do Oriente Médio.




Tradução de Roberto Brilhante

Imagens: chinabevnews.wordpress.com, Google

Fonte: Carta Maior, Naval Brasil

2 comentários:

Fada do bosque disse...

Olá Burgos,
meu amiguinho querido,

Achei piada à preocupação dos EUA pelo Sudão dar "asilo" ao Bin Laden... ou será que os EUA o mandaram para lá, para poderem acusar o Sudão? Afinal ele sempre foi mercenário ao serviço dessa potência... e da Rússia também. Teve um papel importante na guerra fria... e na quente, como sabemos.

Excelente artigo, Burgos. Muito esclarecedor!

Um abraço

BURGOS disse...

Fada, minha amiga querida, como bem sabemos a preocupação do "Império" Yankee sempre é em seu próprio benefício, quanto ao Bin Laden isso foi outra desculpa para oprimir o povo sudanês.
E de opressão em opressão uma paradinha para beber uma Coca-cola, que essa não pode faltar na dieta dos Yankees.


Um grande abraço minha amiga

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