Software livre, Marco Civil da Internet, neutralidade de rede: um papo com Ricardo Fritsch
Ricardo Fritsch é coordenador geral da Associação Software Livre.Org e organizador do Fórum Internacional de Software Livre Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21 |
Por Roberta Fofonka
Ricardo Fritsch é coordenador geral da Associação Software Livre.Org, um dos organizadores do Fórum Internacional de Software Livre, que encerra neste sábado (10), em Porto Alegre. Ativista da cultura livre, em entrevista ao Sul21, ele se propôs a esclarecer alguns pontos para um maior entendimento sobre software livre, Marco Civil da Internet e neutralidade de rede. Promulgado no último dia 23 de abril, o Marco Civil é lei, e estabelece regras para “garantir privacidade, segurança e liberdade para o cidadão” na internet. Por que é importante o seu entendimento? Por que esta lei assegura os princípios básicos, sobretudo em termos de liberdade de expressão e acesso na web, aspectos severamente ameaçados de extinção pelas operadoras de telefonia brasileiras em pleno século XXI.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21 |
Fritsch - Atualmente a gente tem a possibilidade de comprar computadores com um sistema operacional. É um conjunto de instruções que faz com que a máquina funciona e sirva para as funções na qual ela foi desenhada. Nós temos sistemas operacionais proprietários e sistemas operacionais livres. Livres são os Linux, que são vários servidores que customizam para atender a uma determinada necessidade. Uma das grandes vantagens de adquirir computadores com estes sistemas, uma coisa é o preço. Só para ilustrar, em um computador de dois mil reais, duzentos reais são do “nefasto” lá dentro, o software proprietário. O software livre é aquele que tem o seu código fonte publicado, aberto. Seria como vender o bolo e a receita junto.
Sul21 - E desta forma o programa é aprimorado sem fronteiras, então.
Fritsch – Sim, o usuário fica livre para fazer as modificações que ele desejar. Bem diferente do software proprietário, que é uma caixa preta em que o usuário pode apenas fazer uma coisa: usar. E o pior, usar por algum tempo. Se tu comprares um computador com Windows, o Windows não é teu. Tu apenas tens um direito de uso por um determinado tempo. Isso começou por causa do modo capitalista, em algum momento alguém decidiu separar os softwares em caixinhas e vender. No início, todos os softwares tinham o seu código publicado.
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Sul21 – O software proprietário portanto tranca a inovação?
Fritsch - Softwares proprietários sem dúvida alguma bloqueiam a inovação. No sentido de que a informação fica centrada em apenas um fornecedor. E a gente sabe que a inovação na história da humanidade foi sendo feita por que as pessoas foram construindo muito em cima de conhecimento que outras pessoas descobriram. Inovação é sempre isso. Usar de um conjunto de conhecimentos agregando um ou dois para conseguir um terceiro conhecimento. E o bom é que ninguém perde com isso, todo mundo ganha.
Na área gráfica, por exemplo, toda a empresa que compra uma licença de Photoshop que seja está botando dinheiro fora. O nosso evento aqui tem toda a parte de folheteria, site e material gráfico, em que nós usamos, em todos, softwares livres para fazer. E esse negócio de licença tem muito esta coisa de obsolescência programada. Aí o consumidor fica sujeito a isso. O consumidor tinha que comprar as coisas que ele precisa e deseja, e não as coisas que lhe são impostas.
Sul21 – E em termos de Marco Civil da Internet, o quanto a gente precisa aprender com este período de implantação?
Fritsch - O Marco Civil começou a ser construído aqui, na 10ª edição do evento. Estava aqui o então presidente Lula, a atual presidente Dilma Rousseff, como chefe da Casa Civil, o (atual governador) Tarso Genro, como Ministro da Justiça. Foi no 10º FISL que a sociedade civil organizada convenceu o governo de que era importante ter um conjunto de regras que governos, empresas, provedores e operadoras, tivessem para garantir privacidade, segurança e liberdade para o cidadão. Essa compreensão foi fundamental. E aí o governo topou, desde que nós propuséssemos alguma coisa. Evidentemente, sob articulação do Ministério da Justiça, nós escrevemos todas aqueles artigos que tem no Marco Civil. Foi organizada uma versão beta e disponibilizada na rede, onde as pessoas puderam colocar críticas e melhorias. Depois, ficou três anos rodando pelo Congresso, sofrendo todo tipo de lobby e coisas assim.
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21 |
Fritsch - Eu vejo estas iniciativas com bastante otimismo. Primeiro, que como cidadão eu vejo que é uma forma de eu influenciar e dialogar com o governo. De outro lado, eu vejo que todas estas iniciativas de governo são feitas com software livre. O Participa.BR utiliza o Noosfero, que é uma rede social de código livre que foi produzida originalmente por uma cooperativa de desenvolvimento de software livre lá da Bahia, a Coolivre. E nós da Associação Software Livre apoiamos e apostamos bastante nesta iniciativa, e inclusive utilizamos. O site do FISL é um exemplo, é feito com esta plataforma.
A gente está vendo que os governos, para se aproximar da sociedade, têm aberto mais canais de participação. Em relação ao Marco Civil, houve uma coisa muito engraçada. Depois de aprovado pela Câmara, o Senado lançou uma pesquisa, em que de forma extremamente surpreendente, os respondentes apontavam que gostariam que não houvesse a neutralidade na rede. Aí fizemos o questionamento todo e fomos ver: aquela pesquisa não estava sendo feita em software livre. Então, ela não era transparente. Por que o legal do software livre em relação a estas pesquisas é que, se eu vou responder, eu quero saber se o meu voto realmente está sendo computado da maneira certa. E só tem um jeito de fazer isso, que é utilizando um software que seja transparente. E o software livre é o único tipo de software assim. As caixas-pretas (softwares proprietários) não são transparentes. E tem ainda o movimento de dados abertos, que é a divulgação de dados do governo para a população, o que é um passo muito importante.
Sul21 – Falando em neutralidade de rede, por que é importante que as pessoas tenham conhecimento disso?
Fritsch - Bem, a lei do Marco Civil tem 25 artigos. Aquele que foi o mais discutido foi este sobre a neutralidade. Todas as questões de liberdade de expressão, privacidade, uso de padrões abertos e softwares livres não chegaram a ter grandes destaque. Mas isso aconteceu devido ao lobby muito grande das operadoras de telefonia que não desejam a neutralidade da rede. A neutralidade de rede estabelece o seguinte: qualquer pacote de dados, seja ele de filmes, uma música, um e-mail, um vídeo, uma mensagem instantânea, têm que trafegar com a mesma velocidade. Com a quebra da neutralidade de rede, que era o que as empresas de telefonia queriam, só aquelas marcas com quem elas tivessem feito algum acordo comercial poderiam trafegar numa velocidade melhor. Os demais, teriam que trafegar de forma mais lenta. Ou talvez nem pudessem trafegar. Isso seria uma coisa muito terrível para a liberdade dos cidadãos. Hoje nós temos a liberdade de acessar qualquer site, a qualquer hora, e nós temos a certeza de que ele vai responder na velocidade que o servidor do outro lado tem. E não na velocidade que o provedor de acesso desejasse colocar. Foi extremamente surreal, mas a sociedade ganhou.
Fonte: Sul21
Imagens: Sul21, Google
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