Diplomacia dos EUA x Aventuras de Israel
Passados os recentes esforços do primeiro-ministro de Israel
Benjamin Netanyahu, o qual, parece, empenhava-se em exibir ao mundo
retrato de Israel como organização extremista e aventureirista, e depois
que suas posições de hostilidade contra o Irã foram quase completamente
ignoradas pela opinião pública dentro e fora de Israel, tudo indica que
o governo de Netanyahu vê-se a braços com um sentimento mórbido de
ineficácia e baixa credibilidade.
Por Mohammad Farhad Koleini, em Iran Review
Já se veem sinais disso até em declarações de funcionários de
Israel. Já reconheceram que ninguém está dando atenção ao que Israel
pensa ou diz, e a indiferença às posições de Telavive já não se limita
aos EUA. Apesar de todo o empenho negativo de Israel, o Irã organizou e
realizou com pleno sucesso um dos maiores encontros internacionais já
realizados naquele país.
Por sua vez, a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton disse
recentemente na capital da Indonésia, Jakarta, que o Irã tem pleno
direito de usar energia nuclear para finalidades pacíficas, enfatizando
que se devem empreender todos os esforços para impedir que o Irã
construa armas nucleares.
Assim sendo, claramente demonstrou ao governo de Israel que de pouco
adiantaram seus esforços contra o Irã, dado que a posição dos EUA sobre o
programa nuclear iraniano não sofreu qualquer mudança essencial.
Relações Irã-EUA
Segundo algumas agências ocidentais de notícias, até alguns conselheiros
próximos do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu já observam
que divisões e disputas graves de opinião dentro do establishment
político em Israel, em torno de ataque militar contra o Irã, podem levar
até ao assassinato de altos membros do governo israelense por forças
políticas de oposição interna.
Um membro da alta direção do partido israelense Likud, que governa
Israel, fez explícita referência a essa possibilidade, em recente
entrevista ao jornal Maariv. Disse que, sob as circunstâncias atuais da
política e da sociedade israelense (no que tenha a ver com o Irã) é
possível que alguns grupos considerem medidas irracionais, como o
assassinato de líderes israelenses. Comentou o caso de Yigal Amir, o
israelense que assassinou o ex-primeiro ministro de Israel Yitzhak
Rabin, dia 4/11/1995, por entender que, com seu crime, estaria salvando
Israel.
Pelo outro lado, o vice-presidente dos EUA Joseph Biden falou sobre o
Irã, ao atacar o candidato Republicano à presidência, Mitt Romney, em
discurso a trabalhadores brancos em York, Pennsylvania, ainda
recentemente. Biden disse que o projeto de Romney, de fazer guerra
contra a Síria ou o Irã, atrasaria ainda mais a recuperação dos EUA, em
momento em que o país vai, aos poucos, superando uma das recessões
econômicas mais graves que os EUA conheceram. Analistas especialistas
interpretaram que o alvo do discurso e da manifestação de Biden contra
novas guerras no Oriente Médio não foi só Mitt Romney, mas também a
cúpula governante em Tel Aviv.
Todas essas evidências demonstram que os pontos de vista e as posições
de EUA e do regime de Tel Aviv sobre “linhas vermelhas” no campo
político absolutamente já não coincidem; que Tel Aviv e EUA têm posições
polarmente opostas sobre dois conceitos chaves: o “limiar nuclear” e a
“capacidade nuclear”.
Os EUA entendem que a decisão iraniana de obter capacidade nuclear
absolutamente não implica qualquer decisão de construir bombas atômicas.
De fato, o ocidente já adota abordagem escrupulosa, acurada e
profissional sobre o Irã “nuclear”, consequência da firmeza com que o
Irã já declarou que não tem qualquer interesse em construir armas
atômicas. De fato, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)
também já registra a mesma convicção sobre o programa de energia nuclear
do Irã, e confirmou, em seguidos relatórios, que não constatou qualquer
desvio no programa nuclear iraniano na direção de dar uso militar às
competências nucleares do país.
Por vários caminhos, o que se vê hoje é que os EUA estão-se distanciando
de Israel, no que tenha a ver com políticas para o Irã. Já se veem
notáveis diferenças entre Washington e Tel Aviv nas avaliações
estratégicas sobre o pensamento, propósitos e desejos do governo do Irã.
A abordagem pela qual estão optando os países ocidentais, especialmente
os EUA, na direção de reconhecer a racionalidade estratégica das
decisões políticas iranianas é já muito diferente da abordagem na qual
insiste o governo de Netanyahu – que só parece preocupado, hoje, em
manter vivo seu Gabinete.
A comunidade de inteligência de Israel já observou, em vários
relatórios, que mudanças geopolíticas na Região implicam graves ameaças
ao regime em Israel, e que deveriam ser preocupação prioritária de
Telavive.
A comunidade de inteligência israelense entende também que mudanças na
política externa do Egito, depois das eleições naquele país, e da posse
do presidente Mohamed Mursi, inclinado a construir novo equilíbrio no
campo político regional e internacional, além de uma solução para a
questão Síria que já começa a configurar-se no horizonte, podem
desencadear movimento de vingança contra Israel em toda a região.
Resultado disso, essas mudanças na região têm sido repetidamente
enumeradas como absolutas prioridades do regime sionista. Os mesmos
especialistas israelenses em segurança regional entendem que, em caso de
conflito que ameace a segurança de Israel, Tel Aviv deve extrair todas
as vantagens possíveis de seu arsenal nuclear secreto – o que
capacitaria Israel a enfrentar qualquer possível ameaça de segurança.
De fato, esses especialistas ignoram que a realidade em campo pode ser
dramaticamente diferente e levar a condições totalmente diferentes das
que examinam hoje.
O que realmente se passa dentro da estrutura política israelense é que
já emergiram profundas dissonâncias, fissuras entre a comunidade
política, a opinião pública, a comunidade de inteligência e velhos
profissionais da política partidária em Tel Aviv, sobre a questão do
programa nuclear iraniano. Assim sendo, não se vê ainda no horizonte nem
alguma remota possibilidade de consenso, por simples que seja, sobre a
ação a tomar em relação ao Irã. Por isso, inúmeras reuniões da
comunidade de inteligência israelense tem sido simplesmente canceladas,
pouco depois de marcadas. Claro que os funcionários israelenses informam
aos veículos de mídia que os cancelamentos explicam-se porque teria
havido vazamento de informação de inteligência depois de uma daquelas
reuniões.
A mesma absoluta falta de consenso em Israel sobre como encaminhar as
tratativas com o Irã explica também porque o regime israelense tanto tem
insistido em lançar ameaças também contra os EUA, ao mesmo tempo em que
tenta inverter os fatos para implementar cenários mais favoráveis a
Israel. Hoje, nos EUA, o candidato Barack Obama já enfrenta campanha
contrária, patrocinada diretamente pelo governo de Netanyahu. O governo
dos EUA, evidentemente, já viu e observa esses movimentos.
O alto custo de apoiar o regime sionista está convertido em problema
real e imediato para os EUA. Até agora, o problema ainda não está sendo
discutido abertamente, mas nas últimas semanas já se viram em circulação
na grande mídia norte-americana, que começam a discutir os motivos
pelos quais, nos EUA, nenhuma autoridade fala sobre as armas atômicas de
Israel. Acredita-se que sejam os primeiros sinais que Washington vê-se
obrigada a dar a Tel Aviv, para que corrija o rumo de suas declarações e
atitudes. Sabe-se que o embaixador dos EUA em Tel Aviv Daniel B.
Shapiro serviu-se de termos muito claros e duros, em reunião com
funcionários do governo de Israel, para lembrá-los de que Israel tem de
observar regras morais, manter a compostura e respeitar o decoro
diplomático.
Além da questão das principais ameaças que pesam contra Israel, os
estudos da inteligência israelense têm-se dedicado também a analisar as
chances de sucesso num possível ataque israelense que vise a destruir o
programa de energia nuclear iraniano. Sobre isso, os norte-americanos já
têm análise feita. Para eles, Israel não tem capacidade para destruir
completamente, em ataque militar, as instalações do programa nuclear do
Irã.
Por exemplo, considerada a usina nuclear em Fordow, a capacidade militar
do regime sionista é significativamente menor que a requerida para
destruir a usina. Assim sendo, os norte-americanos entendem que qualquer
ameaça que o regime sionista lance contra o Irã não passa de ameaça de
propaganda;
os EUA sabem que Israel nada conseguirá contra o Irã, com
armas convencionais. Os norte-americanos, eles sim, já contam com armas
de alta capacidade de destruição. Mas são armas norte-americanas, não
israelenses, o que muda completamente a configuração do problema.
Resultado desse estado de coisas, estão em curso acalorados debates, não
conjuntos, mas paralelos, dentro do governo sionista e dentro do
governo dos EUA, sobre as possibilidades de sucesso de ataque militar
contra o Irã. Nos dois casos, discutem-se os riscos e os custos desse
aventureirismo generalizado.
O ataque levará a guerra em grande escala, que conflagrará toda a
região? Danificar a capacidade nuclear do Irã é o único ou principal
objetivo? E o Irã, se atacado, será levado a ascender a estágio
completamente diferente de resposta estratégica? São questões graves e
sensíveis, que certamente ocupam muitos agentes profissionais políticos e
de inteligência, que sabem que, se atacado, o Irã retaliará com
explicável fúria.
Por outro lado, outra importante questão é o que pode acontecer depois
de um ataque israelense contra instalações nucleares do Irã.
Os norte-americanos creem que se Israel atacar, conseguirá, no máximo,
retardar o programa nuclear iraniano; exceto pelo retardamento, o ataque
em nada alterará o programa iraniano. Assim sendo, creem que o regime
israelense está queimando balas de festim, sem nenhum objetivo claro.
Resultado disso, questão importante sobre os debates estratégicos é que
estimativas, abordagens e decisões estratégicas são questões diferentes.
Hoje, estamos falando sobre estimativas estratégicas com o objetivo
final de saber em que direção se movem as estimativas estratégicas do
regime sionista, consideras as reuniões não noticiadas – e interrompidas
– que não chegam a conclusão alguma, em Israel, nos últimos dias. No
presente momento, a comunidade de inteligência dos EUA tem alta
probabilidade de discordar do que Israel deseja; e Israel tenta usar
suas cartas de inteligência e acrescenta informações de inteligência
manipulada na tentativa de modificar as estimativas hoje correntes e
conseguir que o ocidente modifique suas políticas para o Irã.
Parece que Tel Aviv tenta também conseguir que outros países ocidentais
alinhem-se com os objetivos dos sionistas, para ganhar peso na disputa
com o governo dos EUA e forjar uma nova aliança. O mais provável é que
essa posição tenha recebido luz verde do lobby sionista no Canadá, o que
explicaria por que o governo canadense decidiu repentinamente fechar
sua embaixada em Teerã, sem que nada de novo tenha acontecido entre os
dois países que justifique a medida.
Sem conexão com essa questão, o governo francês também assumiu posição
correta em relação ao Irã. O ministro de Relações Exteriores da França
declarou oficialmente que um ataque, pelo regime sionista, contra o Irã,
seria erro grave.
Quando se ouvem essas manifestações de Paris e Washington, ambas na
mesma direção, vê-se que a Otan não acompanha a conduta de Israel no
Oriente Médio. Resultado disso tudo, ninguém deu atenção às posições sem
orientação ou meta clara, ficcionais, de Israel no Oriente Médio.
Não só na opinião pública regional, também nos países da região e no
plano internacional, e até na sociedade israelense e entre tradicionais
apoiadores de Israel, o que se vê é uma larga fissura e profundas
diferenças quanto à estratégia a adotar em relação ao Irã.
Simultaneamente, alguns especialistas levantaram outra questão: que
capacidade teria Israel para comprometer-se em engajamento militar de
longo prazo? Israel suportaria uma longa guerra, que seria consequência
quase inevitável de um possível ataque ao Irã? Nisso, a maioria dos
especialistas coincide.
Dizem que a primeira preocupação é a capacidade do Irã para reagir, se
for atacado; a maioria dos especialistas reconhecem que é alta a
probabilidade de o Irã ter capacidade militar para retaliar. Mas Israel
não teria capacidade de sustentar ataque prolongado contra o Irã, dado
que não tem um terceiro país que lhe ofereça bases em solo, mas o Irã,
sim, pode contar com essas bases.
Não faz muito, oficiais sírios em Damasco alertaram Israel contra
qualquer tentativa de atacar o Irã. Anunciaram que a Síria pode usar seu
sistema de mísseis, e devolver os sionistas ao ponto em que estiveram
anos atrás, destruindo parte considerável da infraestrutura do país. Foi
o que disse também o líder do Hezbollah libanês, Seyed Hassan
Nasrallah, para o caso de Israel atacar o Irã.
Além disso, os fatos em campo mostram que Israel não suportaria engajamento militar sequer de média duração.
Viu-se claramente, além de qualquer dúvida, nos 22 dias de guerra de
Israel contra Gaza e nos 33 dias de guerra de Israel contra o Líbano,
que o poder bélico israelense é limitado, em condições de combate real.
Naquelas duas guerras, o mundo viu que Israel é incapaz de sustentar
guerra de mais longa duração. Por isso, quando Seyed Hassan Nasrallah
anunciou que, em qualquer ataque que Israel venha a tentar no futuro, o
Hezbollah, se for novamente atacado, já não se limitará à guerra de
defesa, e empreenderá ação ofensiva, estava, de fato, enviando mensagem
clara e expondo estratégia diferente, para determinar o campo real de
alternativas com as quais Israel deve operar.
Por tudo isso, é fácil concluir que qualquer aventureirismo do regime
sionista, que implique atacar o Irã, gerará caos generalizado na região.
E, dada a quantidade escandalosa de ameaças e declarações belicosas do
regime sionista, Israel será a principal culpada pelo caos e pela
guerra.
O ocidente já dá sinais de ter entendido corretamente a situação real. É
mais que hora de o ocidente desistir de apenas aconselhar o regime
sionista, e cuidar de regular a conduta do governo de Netanyahu mediante
ações tangíveis, práticas. Entregue às próprias incompetências, é
fortemente provável que o regime sionista arraste toda a região a uma
situação cuja reestabilização, recomposição e controle será muito
difícil.
Seja como for, a questão de ser capaz de envolver-se e sustentar guerra
prolongada, agora ou em futuro mais distante, tem alta significação nos
debates de inteligência e militares, porque ajuda a traçar coordenadas
mais realistas e mais claramente demarcadas para toda a situação.
Assim consideradas as coisas, todos os países dever-se-ão empenhar em
alertar os líderes sionistas contra as consequências de atacar o Irã.
Não por acaso, altos especialistas da inteligência do regime sionista já
declararam muito abertamente que está fora de questão qualquer ataque
israelense às instalações nucleares iranianas. Já disseram também que,
se atacar o Irã, Israel lamentará por uma década as consequências do
ataque.
* Mohammad Farhad Koleini foi embaixador do Irã na Armênia e é especialista em estudos estratégicos.
Tradução: Vila Vudu
Imagem: Google
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