Presidente Mikheil Saakashvili acredita que em 10 anos Lakiza será a segunda maior cidade do país
Zugdidi, Geórgia — Para chegar ao local onde o governo da Geórgia está abrindo terreno para Lazika, sua grandiosa cidade do futuro, é necessário atravessar diversos rebanhos — vacas felpudas e grandes porcos malhados, que tomam sol na estrada, ao canto hipnótico de inúmeros sapos.
Ao longo do caminho, é possível encontrar opiniões variadas sobre a proposta de construir uma cidade para meio milhão de pessoas aqui, numa faixa de terra pantanosa próxima ao Mar Negro, um projeto baseado no conceito chinês de cidade instantânea.Khatia Ochiava, professora numa vila de 330 habitantes ao lado do local das obras, é tão inspirada pela ideia que assiste, praticamente todos os dias, a um vídeo promocional do governo — cuja animação por computador mostra um conjunto de arranha-céus no estilo Dubai e um movimentado porto de carga. Ela já está planejando abrir um restaurante chamado Cafe Lazika.
Outros, como Kakha Pachkua, de 38 anos, têm suas dúvidas a respeito dos planos. Megreliano, do grupo étnico que vive nesta região há séculos, ele trabalha ao lado das obras e garante que o solo aqui é tão saturado que os edifícios propostos exigiriam alicerces com 25 metros de profundidade.
— Qualquer megreliano lhe dirá que é impossível construir aqui. Lazika é apenas uma palavra. Nada mais. Aqueles prédios são enormes; não sei se o pântano conseguirá segurá-los — disse ele, observando as terras úmidas.
As autoridades do governo não têm muito tempo para discutir com os céticos. O acelerado ritmo da nova construção não permitiu discussões públicas sobre o financiamento do projeto, seu impacto ambiental ou mérito.
Apesar das questões levantadas em todos esses tópicos, o primeiro prédio de Lazika — uma futurista Câmara de Serviços Públicos para a nova cidade — já está em construção, com inauguração prevista para setembro.
Dentro de 10 anos, segundo o presidente Mikheil Saakashvili, Lazika será a segunda maior cidade da Geórgia atrás de Tbilisi, que tem população de 1,5 milhões, e um grande centro comercial no Mar Negro.
Desde que assumiu o cargo, em 2004, Saakashvili baseou sua liderança em uma grande ideia após a outra: a dissolução da polícia de tráfego, notoriamente corrupta; a alteração do segundo idioma do país, do russo para o inglês; a mudança do parlamento de Tbilisi para Kutaisi, pequena cidade a três horas de carro; e, agora, o enfrentamento da pobreza no oeste rural pela construção de uma cidade a partir do zero.
— O principal motivo para estarmos mudando o país tão rapidamente é que somos inteligentes e jovens e queremos fazer tudo rápido — explicou Giorgi Vashadze, ministro adjunto de justiça, que está supervisionando a construção de elegantes prédios do governo em cidades de todo o país.
— Não temos tempo, como a Europa e a América, para ponderar sobre o projeto durante 10 anos e então iniciar a implementação. É por isso que esse tipo de ideia maluca às vezes nos vem à mente — acrescentou.
A ideia de Lazika foi lançada há vários meses, quandoSaakashvili visitava Zugdidi, cidade de 65 mil habitantes que vinha gradualmente perdendo população. A área, que produz tangerinas e nozes, sofreu muito quando a Rússia fechou seus mercados a produtos georgianos em 2005 e 2006 — e também dois anos depois, quando forças russas isolaram a vizinha separatista, Abkhazia.
Ketevan Gvinjilia, de 50 anos, conta que os moradores começaram a economizar usando eletricidade em apenas um cômodo da casa.
— Estamos presos num vácuo. Não chegamos àquele ponto, mas estamos gradualmente nos aproximando — afirmou ela, acrescentando que a estagnação econômica da região começava a lembrá-la do período antes de Saakashvili assumir o poder.
O presidente reconheceu os problemas de Zugdidi num discurso em 4 de dezembro, declarando:
— Precisamos de uma grande inovação para acabarmos com a pobreza.
A inovação, segundo ele, seria uma cidade nova em folha e um porto marítimo na costa, a 29 quilômetros de distância — uma ideia atualmente comum na China, que ergueu dúzias de cidades para abrigar sua enxurrada de migrantes rurais, mas bastante incomum para a Europa.
Vashadze disse que navegava na internet quando se deparou com o conceito de "cidade independente", com sistemas regulatórios e judiciais distintos que poderiam atrair investidores estrangeiros para construir fábricas.
— Tivemos essa ideia (por que não podemos fazer isso na Geórgia?). Analisamos e vimos que havia espaço livre na costa do Mar Negro — explicou ele.
A umidade do espaço não oferece problemas, deduziu ele, pois "se você for à China, verá que todas as novas cidades foram construídas sobre pântanos".
Quando questionado sobre quantos funcionários públicos estavam trabalhando em tempo integral para planejar Lazika, Vashadze afirmou que era apenas um — embora tenha acrescentado que de 10 a 15 pessoas estavam no projeto em meio período.
A declaração presidencial gerou uma onda de perguntas. O local proposto fica à beira dos pântanos de Kolkheti, onde, em 1997, a Geórgia se comprometeu a preservar cerca de 33 mil hectares como parte da Convenção Ramsar internacional.
Embora a convenção, supervisionada pela Suíça, não tenha poder para punir os infratores, ela adverte contra "desconfortos políticos e diplomáticos em fóruns de alto perfil ou na mídia". Até agora, o ministro de proteção ambiental da Geórgia reagiu com sarcasmo a essas preocupações.
— Por favor me ajudem, e me digam o que posso fazer para atrair turistas que venham para cá e vejam esses pântanos, façam doações, tirem fotos, escrevam a respeito, gastem dinheiro aqui e digam a outras pessoas: "Esses pântanos são incríveis!" — declarou o ministro, Giorgi Khachidze, em fevereiro.
Os problemas se estendem a questões práticas, como o que Lazika faria para atrair meio milhão de moradores num país de 4,5 milhões — que não está crescendo em população e nem se urbanizando.
O financiamento é mais uma preocupação: há alguns meses, Saakashvili afirmou que a Geórgia havia iniciado negociações com diversos grandes investidores da Europa e da Ásia, que bancariam a maior parte do custo de construção em longo prazo — estimado pelo presidente em US$ 600 a US$ 900 milhões.
Mas até agora nenhum investidor se comprometeu publicamente, deixando dúvidas sobre quanto do fardo cairia sobre o orçamento da Geórgia (US$ 4,2 bilhões no ano passado).
— Não sabemos quanto custará, quanto do orçamento será usado
— explicou Eka Gigauri, da Transparency International, grupo anticorrupção que divulgou em 11 de abril um novo estudo documentando violações dos direitos de proprietários de terras por projetos estatais de desenvolvimento.
Segundo ela, alguns dos grandes projetos de Saakashvili — especialmente a construção de estradas — haviam beneficiado muito a Geórgia, mas ela expressou dúvidas quanto à prioridade colocada em Lazika.
— Existem tantas coisas que precisam ser feitas. Por que construir uma cidade inteiramente nova? O que isso representa? Não há nada, nenhuma explicação. O presidente simplesmente declarou: "Vamos construir uma nova cidade aqui" — disse ela.
Questões similares ocorreram a georgianos comuns; numa pesquisa divulgada em março pelo Instituto Democrático Nacional, 59% daqueles que conheciam a construção proposta afirmaram apoiar a construção de Lazika, mas 68% argumentaram que, antes de qualquer decisão, deveria haver debates públicos no parlamento.
Kakha Bakhtadze, da Rede de ONGs Ambientais do Cáucaso, declarou que seria difícil conduzir um debate sério sobre o impacto ambiental do projeto, pois o governo ainda não havia publicado uma planta do local. Ele comentou não ter muitas dúvidas de que Lazika seria construída.
— O governo e o presidente anunciaram que haverá uma cidade. Com frequência, quando nosso presidente anuncia algo, aquilo certamente acontece — explicou ele.
Recentemente, num terreno de obras a 320 quilômetros a oeste da capital, o engenheiro Merab Chkhikvadze supervisionava uma equipe de 12 operários. Enquanto uma bomba retirava água lamacenta de um buraco de 21 metros onde ficará o alicerce da Câmara de Serviços Públicos, ele afirmou que o projeto o fazia sentir-se parte da história — e recitou um provérbio sobre as recompensas que aguardam os audazes.
Mas além daquele edifício, seu plano de construção mostrava uma estrada circular de seis pistas e nada mais.
— Não sei muito bem. Mas existe um plano, obviamente — disse ele, quando questionado sobre como se pareceria o resto da cidade.
Fonte: Zero Hora
Imagem: Zero hora, Google
Um comentário:
Olá BURGOS: eu diria ao povo da Georgia se informar com os povos dos respectivos países de como e porque foram construídas Dubai e Doha. abraços
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