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domingo, 2 de dezembro de 2012

O que está em jogo no julgamento de Bradley Manning?



Quando o julgamento do soldado Bradley Manning, de 23 anos, tiver começado, em 4 de fevereiro de 2013, ele terá passado 983 dias na prisão, sendo nove meses em uma cela solitária, sem ter sido condenado por nenhum crime.


Por Michael Ratner, em Counter Punch


Essa semana, durante audiências anteriores ao julgamento, uma corte militar está analisando evidências de que as condições às quais ele foi submetido constituem tortura. Essas condições incluem o período de nove meses em que ele ficou por 23 horas por dia em um cubículo, onde lhe foi negado o direito de se deitar ou de até se apoiar em uma parede para dormir – isso quando era autorizado a dormir à noite, pois carcereiros o acordavam a cada cinco minutos – e onde foi submetido a revistas íntimas e nudez forçada. Um relatório da ONU sobre tortura já classificou essa situação como tratamento cruel e desumano, e possivelmente tortura.

Por quase três anos, Manning tem enfrentado pressão física e emocional, criadas para forçá-lo a envolver o Wikileaks e seu criador Julian Assange em uma suposta conspiração para espionagem. É também uma mensagem para todos os informantes em potencial: o governo dos EUA não será bondoso.

“[Se] você visse coisas incríveis, coisas horríveis…coisas que pertencessem ao domínio público, e não em um servidor qualquer em uma sala escura de Washington, D.C....o que você faria? É importante que isso seja conhecido…pode mudar as coisas de fato...com sorte discussões, debates e reformas ao redor do mundo…”

Supostamente, essas são frases de Manning*, e falam sobre a mudança que muitos de nós gostaríamos de acreditar: se você entrega ao povo a verdade sobre as atividades ilegais de seus governos, e a liberdade para discuti-las, elas irão questionar esses líderes.

Mas uma coisa é falar sobre transparência, a força vital da democracia, e até fazer campanha por ela – em 2008, o então candidato Obama disse, “delatores de governos fazem parte de uma democracia saudável e devem ser protegidos de represálias” –, porém, outra coisa é colocá-la em prática. Em um nível básico, Manning está sendo punido, sem ter sido condenado, pelo crime de ter tido a coragem de agir na crença de que, sem um público informado, nossa república está seriamente comprometida. Ou, como ele é citado, por querer “que as pessoas vissem a verdade...independente de quem fosse...porque sem informação, o público não consegue tomar decisões embasadas.”

O governo norte-americano quer criar a imagem de que Manning é um traidor que patrocinou e instigou a Al Qaeda ao vazar informações secretas ao domínio público. Mas a verdade é que os documentos foram enviados de forma anônima para o Wikileaks, que os publicou em parceria com o The New York Times, The Guardian e outros veículos em benefício do público em geral, assim como os Papéis do Pentágono (Pentagon Papers) foram publicado há uma geração atrás.

Os e-mails que a Promotoria está usando para tentar provar que Manning era a fonte dos vazamentos também demonstram o lado da história que eles querem esconder, a de um jovem soldado, lutando com o dilema de ser um informante, que sabe que está correndo grande risco ao expor os crimes e abusos patrocinados pelo Estado, testemunhados por ele, os “quase criminosos acordos políticos a portas fechadas...a versão não RP dos eventos e crises do mundo”, conforme ele é citado ao descrevê-los a um confidente, que no fim o traiu.

“Desistirei oficialmente da sociedade que temos caso nada aconteça”. Impossível não refletir sobre o que Manning está pensando agora, depois de tanto tempo submetido a condições de confinamento tão brutais. Ele imaginava que o governo iria puni-lo de forma tão desproporcional e ilegal?

O tratamento abusivo recebido por Manning antes do julgamento é uma clara violação da Quinta, Sexta e Oitava Emendas da Constituição dos Estados Unidos, da Convenção da ONU Contra Torturas e até da lei marcial norte-americana. De fato, o advogado de Manning, David Coombs, argumenta nessas audiências anteriores ao julgamento, essa semana, que frente ao flagrante desrespeito aos direitos mais fundamentais de seu cliente, todas as denúncias deveriam ser revogadas.

O governo alega que essa manobra pretende prevenir Manning de cometer suicídio, apesar de que qualquer observador racional poderia assinalar que essas condições têm mais chances de levar alguém a se matar do que a evitar o suicídio. A explicação mais provável é também a mais óbvia: o governo quer machucar Manning o suficiente para forçá-lo a envolver o Wikileaks e Assange e, posteriormente, transformar isso em um show, com a intenção de desestimular futuros informantes. O que está em jogo é a base da nossa democracia, uma robusta imprensa livre e o destino de um real herói norte-americano.

Observação: Bradley Manning não foi condenado em nenhuma das denúncias, ou admitiu nenhuma das acusações apontadas contra ele. Da mesma maneira, ele não confirmou a autenticidade dos registros de chat apontados como sendo dele.




* Michael Ratner é presidente-emérito do Center for Constitutional Rights, que representa o Wikileaks e Julian Assange, assim como outros jornalistas e organizações de mídia que lidam com os documentos do julgamento de Manning. 


Artigo originalmente publicado no CounterPunch.org



Fonte: Vermelho
Imagem: Google

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