Belgrado – Abril de 1999 |
Por Konstantin Kachalin
A Voz da Rússia publica memórias de habitantes prominentes de Belgrado que foram testemunhas da operação conjunta dos EUA e da OTAN Anjo Misericordioso.
Recentemente, eu reli mais uma vez atentamente os meus diários com materiais sobre a guerra contra a Iugoslávia em 1999. Na altura eu trabalhava em Belgrado, e junto com os sérvios vivi todos os horrores e pesadelos dos bombardeios noturnos de uma das mais belas cidades da Europa. Até hoje me espanta a coragem dos habitantes de Belgrado e quero citar novamente as palavras daqueles prominentes belgradenses que viveram aqueles dias junto com o seu país:
Borka Vucic, chefe do Banco Central da Iugoslávia e ministra das finanças do país, que em 2009 morreu tragicamente num acidente de carro, dizia assim:
Borka Vucic |
Zoran Andelkovic é um político conhecido. Ao longo dos anos, ele atuou como vice-presidente da Assembleia Nacional Sérvia e foi o secretário-geral do Partido Socialista da Sérvia. Conversando comigo, Zoran Andelkovic foi inequívoco na sua avaliação negativa das ações dos Estados Unidos e da OTAN:
Zoran Andelkovic |
Me parece que os americanos ainda hoje acreditam que de grandes crises se deve sair através de grandes guerras. O essencial é esgotar os estoques de armas antigas e iniciar a produção de novas. Em orçamentos de defesa estão sendo investidos trilhões de dólares. O complexo militar-industrial não são apenas armas, são novas tecnologias. E nos EUA, na década de 90 surgiu justamente uma situação assim, e eles decidiram começar uma guerra nos Balcãs. Washington, na altura, tomou a decisão, retardou o desenvolvimento da Europa, o desenvolvimento da UE, e envolveu os europeus numa guerra contra a pequena Sérvia. Estou convencido de que a atual crise financeira e política na Europa é o resultado da operação Anjo Misericordioso. Por crimes contra a Sérvia e seu povo no Velho Mundo estão pagando cidadãos comuns da UE.
Eles bombardeavam-nos 24 horas por dia. Estes horrores permanecerão para sempre, e rezo a Deus que não permita que isso aconteça com qualquer outro país. Cada vez passavamos tempo em abrigos, à espera de saber qual sería o próximo prédio a ser atacado. Conversei muito com pessoas que sobreviveram a Segunda Guerra Mundial. Eles diziam que era uma guerra em que o exército de um país lutava contra o outro. Em 1999, não estávamos combatendo com ninguém, estavamos simplesmente sendo abatidos do ar.”
Emir Kusturica foi o mais franco de todos. Como um verdadeiro artista, que dedicou toda a sua vida à Iugoslávia e à Sérvia, ele está perfeitamente ciente do que foi a primavera de 1999:
“Hoje dizem, se você não está conosco, está contra nós. A Iugoslávia foi bombardeada e destruída só por causa do Kosovo. Em seguida, roubaram-nos o Kosovo. Os americanos transformaram os Sérvios, uma pequena nação, num pária, e começaram a massacrar do ar. E em Bruxelas e Washington chamavam estes bombardeamentos de ação humanitária para salvar os albaneses no Kosovo.”
Fonte: Voz da Rússia
Imagens: Google (colocadas por este blog)
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Em 2009
Socorro Gomes
Discurso de Socorro Gomes no fórum de Belgrado
Pronunciamento de Socorro Gomes, presidente do Conselho Mundial da Paz no Ato Político organizado pelo Fórum Belgrado por ocasião do transcurso do 10º aniversário dos bombardeios da OTAN.
Queridas Companheiras, queridos companheiros.
Reunimo-nos hoje para evocar fatos históricos, interpretá-los à luz da experiência e extrair as lições necessárias para orientar nossos esforços e nossas lutas pela paz, um novo mundo, governado pelo primado da justiça e da solidariedade.
Há dez anos, esta capital e este país, que já foi um Estado socialista confederal, pluriétnico e plurinacional, foi vítima de um dos mais abjetos atentados à sua soberania, à sua unidade, à vida de seu povo, à sua economia e aos princípios fundamentais que inspiraram a sua própria constituição.
Durante 78 dias, a Iugoslávia foi vítima de uma monstruosa agressão militar. O escritor italiano e ativista do Movimento pela Paz Manlio Dinucci, descreve assim a tragédia que se abateu sobre o povo iugoslavo a partir daquele 24 de março de 1999:
“Decolando sobretudo das bases italianas, mil e cem aeronaves efetuaram 38 mil vôos, atirando 23 mil bombas e mísseis.75 por cento dos aviões e 90 por cento das bombas e dos mísseis foram fornecidos pelos Estados Unidos. Estadunidenses eram também rede de comunicações,o comando, o controle e a inteligência através das quais as operações eram conduzidas. Sistematicamente, os bombardeios desmantelaram a infraestrutura da Sérvia e de Kossovo, provocando vítimas sobretudo entre os civis. Entre outros, foram destruídos 63 pontes, 14 centrais elétricas, a refinaria de Pancevo e Novi Sad, a fábrica automobilística Zastava e outras 40 indústrias, 100 centros de negócios, 13 aeroportos, 23 linhas e estações ferroviárias, 300 escolas, com um custo estimado em centenas de milhões de dólares. Os danos que derivam desses bombardeios para a saúde e o meio ambiente são incomensuráveis”.
Podemos acrescentar: os ataques provocaram danos irreparáveis. Milhares de vidas humanas foram perdidas, outros milhares de pessoas ficaram feridas e mutiladas. Às obras de infraestrutura atingidas somam-se também monumentos, sítios arqueológicos, mosteiros e igrejas. Mais de dez estações de rádio e televisão e mais de vinte repetidoras de televisão foram atacadas, além da televisão estatal sérvia que os trabalhadores conseguiram recolocar no ar em poucas horas, numa singela demonstração da capacidade de resistência do povo.
Ao rememorar fatos tão dolorosos, homenageamos o povo iugoslavo, exaltamos o valor dos seus heróis e inclinamos as nossas bandeiras de combate em reverência aos mártires da luta contra a agressão, a luta pela independência e pela unidade da Iugoslávia. Glória eterna a todos aqueles que, defendendo seu país, resistiram também em nome de toda a humanidade.
A guerra dos Estados Unidos e da OTAN contra a Iugoslávia, tal como todas as guerras recentes do imperialismo norte-americano e seus aliados contra povos e nações, foi feita com falsos pretextos e contou com a cumplicidade de uma gigantesca e poderosa máquina de mentiras e diversionismo – os meios de comunicação, que preparam o terreno com a difusão de textos e imagens sobre “violações de direitos humanos”, “limpeza étnica” e “insubordinação a tratados internacionais”. O motivo invocado para iniciar os bombardeios em 24 de março de 1999 foi a recusa do governo do presidente Milosevic a assinar o famigerado Acordo de Paz de Ramboulllet. O problema é que aquilo não era um acordo de paz, mas a decretação da morte da soberania nacional, porquanto implicava a ocupação de parte significativa do país por forças da OTAN. O então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, propunha na época a ocupação do Kossovo por tempo indeterminado pela OTAN, que manteria ali 30 mil soldados.
Na verdade, os bombardeios de 1999 eram parte de uma estratégia global do imperialismo norte-americano no quadro dos esforços que esta potência realiza para impor através da força e da militarização seu domínio sobre todo o planeta.
No que esse refere especificamente à Iugoslávia, era uma guerra de agressão premeditada há anos, no âmbito de um processo de desintegração da República Federativa Socialista da Iugoslávia, na sequência da contrarrevolução que varreu o sistema socialista do mapa europeu a partir de finais dos anos 80 do século passado. Nessa preparação para os acontecimentos que se sucederam há dez anos não falaram atos de espionagem por parte da CIA norte-americana e o financiamento e adestramento de grupos terroristas que hipocritamente os meios de comunicação apresentaram como forças de libertação nacional.
A agressão, que veio a ser conhecida como a “Guerra do Kossovo”, faz parte de uma cadeia de acontecimentos que tem início em 1990 quando as potências imperialistas decidem investir recursos econômicos e empenhar sua força diplomática e militar no apoio ao que chamavam “novas formações democráticas da Iugoslávia”, estimulando assim os movimentos secessionistas. Começa o chamado efeito dominó na Iugoslávia. Primeiro a Croácia proclama sua separação. Depois a Eslovênia proclama-se independente. Ambos os processos resultam em confrontos militares em ambas as repúblicas. Em face da guerra civil que começava a se alastrar, as potências imperialistas decidem acrescentar combustível ao fogo. Em dezembro de 1991 a Alemanha reconhece unilateralmente a Croácia e a Eslovênia como Estados independentes, sendo acompanhada dois meses depois pela então Europa dos 12.
Em abril de 1992 abre-se nova frente de guerra, quando os Estados Unidos e a Comunidade Européia reconhecem a Bósnia-Herzegovina como Estado independente. Não quero aqui rememorar em detalhes o derramamento de sangue e a carnificina que tiveram lugar durante a guerra da Bósnia. Mas cumpre salientar que também neste conflito, tal como depois na guerra do Kossovo, a OTAN atuou como força agressiva. Uma atuação que passou à história como a primeira ação de guerra não motivada por um ataque a um dos seus membros e levada a efeito fora de sua área geográfica. Tratava-se assim da primeira experiência de aplicação do novo conceito estratégico da OTAN no pós-guerra fria.
A Iugoslávia foi, assim, sob falsos pretextos, a vítima da aplicação de planos de dominação mundial no novo quadro pós-guerra fria. E rigorosamente, o país não havia cometido crime algum. Era um país soberano, membro de pleno direito da Organização das Nações Unidas, com suas instituições funcionando na normalidade. Um país que, malgrado dificuldades e eventuais erros na solução dos seus conflitos internos, empenhava-se em alcançar o progresso econômico e social e corrigir as imperfeições do seu sistema político tendo em vista alcançar a convivência harmônica entre as distintas nacionalidades que o compunham.
Efetivamente, os chefes de Estado e de governo dos 16 países que então integravam a OTAN reuniram-se em Roma no Conselho Atlântico, onde adotam o novo conceito estratégico. O documento aprovado por esses governantes dizia: “Contrariamente à ameaça predominante no passado, os riscos que permanece para a segurança da Aliança não de natureza multiforme e multidirecional, coisa que os torna de difícil previsão e avaliação. As tensões poderiam – prossegue o documento – conduzir a crise danosas para a estabilidade européia e a conflitos armados que poderiam envolver potências externas ou expandir-se aos países da OTAN”. Por isso, concluíram os chefes de Estado e de governo dos países da OTAN – “a dimensão militar da nossa Aliança permanece um fator essencial, mas o fato novo é que esta dimensão militar estará mais do que nunca a serviço de um amplo conceito de segurança”.
Este novo conceito estratégico seria oficializado em plena guerra contra a Iugoslávia, na reunião de cúpula da OTAN realizada em Washington de 23 a 25 de abril de 1999, onde a Aliança Atlântica passa a ser concebida em dimensões mais dilatadas, com capacidade para empreender novas missões, entre as quais o ativo empenho na gestão de crises, e com capacidade de dar respostas a essas crises. Como assinala o escritor italiano Manlio Dinucci, trata-se de uma “mutação genética” da OTAN. De uma aliança que obriga os países membros a ajudarem inclusive com a força armada o país membro que seja atacado na região do Atlântico norte, transforma-se em aliança que, com base no novo conceito estratégico obriga os países membros também a conduzirem operações de resposta às crises fora do território da Aliança.
Senhoras e Senhores,
Companheiras e Companheiros,
Durante esta década que nos separa dos trágicos e dolorosos acontecimentos desencadeados em seu país a partir de 24 de março de 1999, a humanidade tem vivido novas, pesadas e graves turbulências. Ao longo deste período, a partir da guerra ao Afeganistão deflagrada em outubro de 2001 e da guerra ao Iraque em 2003 o mundo se tornou mais inseguro, os conflitos mais intensos, os direitos e as conquistas da civilização, fruto de tantos esforços e tantas lutas dos povos foram menoscabados. A Carta das Nações Unidas e o conjunto de normas consensuais do Direito Internacional foram violados e tornados letra morta. A guerra, o unilateralismo, a imposição da lei do mais forte tornaram-se no traço distintivo da chamada ordem internacional que atende não às aspirações dos povos e nações mas ao primado dos interesses do imperialismo norte-americano e de seus aliados.
Em nome desses interesses os Estados Unidos usam os mais diferentes instrumentos militares, dentre os quais a OTAN é o principal, com sua profusão de bases militares, com suas centenas de milhares de tropas, com suas bases de lançamentos de mísseis, com suas armas nucleares, com sua Força de Resposta Imediata e seu escudo anti-mísseis em pleno coração da Europa. Uma OTAN mais forte e maior, que se expande para o Leste, mantém tropas de ocupação e de agressão no Afeganistão, intervém nos conflitos do Cáspio e se torna um instrumento a mais na aplicação da política de reestruturação do Oriente Médio, apoiando Israel com o qual mantém um acordo de segurança. Uma OTAN que numa situação de crise econômica e social em todo o mundo capitalista realiza despesas da ordem de cerca de 1 trilhão de dólares para agigantar a sua já colossal máquina de guerra.
O Conselho Mundial da Paz, que se encontra em processo de reafirmação dos seus valores e compromissos de luta, de reforço de sua identidade como organização pacifista, antiimperialista e solidária com todos os povos agredidos, vê com preocupação o atual desenrolar dos acontecimentos internacionais. A guerra continua na ordem do dia como a opção preferencial do imperialismo norte-americano para dominar o mundo, muito embora as esperanças do povo dos Estados Unidos manifestadas na última eleição presidencial. As recentes declarações do presidente dos Estados Unidos Barak Obama em discurso perante militares na Universidade Nacional de Defesa, em Washington, soam para as organizações que lutam pela Paz como u sinal de alerta de que, apesar das aparências, a inclinação do imperialismo para a guerra não se alterou. Eis o que disse o presidente Obama: “Não tenham dúvidas, este país vai manter seu domínio militar (…) Vamos ter as Forças Armadas mais fortes da história. Faremos o que for preciso para manter a vantagem”.
De nossa parte, não temos ilusões. Quando os chefes das principais potências imperialistas se reunirem dentro de dez dias para celebrar o 60º aniversário da fundação da OTAN, estarão elaborando novos planos de agressão aos povos. Nós, o Conselho Mundial da Paz, suas organizações acionais e regionais e organizações e personalidades amigas, ao reunirmo-nos no transcurso do 10º aniversário dos bombardeios da OTAN contra a Iugoslávia, renovamos a nossa solidariedade e apontamos o caminho da luta contra o militarismo, as guerras de agressão, pela paz e a solidariedade entre os povos.
Viva o povo sérvio!
Abaixo a OTAN e o imperialismo norte-americano!
Viva a solidariedade entre os povos!
Muito Obrigada,
Socorro Gomes
Presidente do Conselho Mundial da Paz
Fonte: Cebrapaz
6 comentários:
Muito europeu nem sabem que isto aconteceu. A imprensa esconde e manipula.
Acho que já te disse que teu trabalho é serviço público. Só não posto porque a agenda portuguesa requer a urgência da luta. Depois de te comentar, vou para a rua... que daqui a uma hora estará cheia de gente e de esperança!
Oi Burgos, meu amiguinho querido!
E que Anjo misericordioso será esse, o Anael?
E continuam estes cretinos a dar forma à guerra apocalítica, originada por eles próprios a favor do "povo eleito"!!! PQP!zilhões de vezes PQP!O Plano já milenar e que vai acabar por destruir tudo!
Força aí na sua luta!
Um grande abraço.
Assombroso esse texto! E a agenda segue... E pensar que em 1999 eu imaginava que todo o conflito dos balcãs fora causado por diferenças étnicas, quão bobo e enganado eu era!
Rogério
É verdade meu amigo, com a imprensa manipulando as notícias poucos conseguem saber a verdade dos fatos.
Um grande abraço meu amigo
Fada
Esse "Anjo" de misericordioso não tem nada, está mais para o anjo das trevas, hehehehe.
Beijos
Ernesto
Sim é assombroso, não só você é ingenuo, a maioría também é e não tem conhecimento de toda essa desgraça que nos proporcionam.
Um grande abraço meu amigo
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