Ressoando desde os protesto na Grécia contra a austeridade, podemos ouvir a voz de Sankara — o Che Guevara africano - o herói que desafiou os credores
Por Leonidas Oikonomakis
Aconteceu em 1987.
A Conferência da Organização da Unidade Africana reuniu-se em Addis Abbeba, Etiópia, nos últimos dias daquele julho de muito calor. E lá estava ele. No uniforme caqui, com seu invencível bom humor, Thomas Sankara, presidente revolucionário de Burkina Faso, o Che Guevara da África. Foi seu último discurso, e ali conquistou os corações dos pobres e explorados. Hasta siempre.
“Não podemos pagar essa dívida, primeiro porque, se não pagarmos, os credores não morrem. Isso é garantido. Mas se pagarmos, morremos nós. Isso também é garantido” – disse ele. E continuou: “Os que nos empurraram para que nos endividássemos, jogaram como se estivessem num cassino. Enquanto ganharam, ninguém discutiu coisa alguma. Mas agora, que estão perdendo muito, exigem pagamento. E nós só falamos de crise. Não, Sr. Presidente. Eles jogaram e perderam. É a regra do jogo. Não pagaremos. E a vida continua.”
Como eco dos protestos contra as medidas de ‘austeridade’ na Grécia, ouve-se outra vez a voz de Sankara, o Che Guevara da África. O herói que desafiou seus credores.
Mas Sankara também sabia muito bem que não poderia estar sozinho na resistência. E portanto conclamou os demais chefes de Estado africanos a seguir seu exemplo:
“Se Burkina Faso for o único Estado que se recusa a pagar a dívida, eu não estarei aqui, na nossa próxima Conferência”, disse ele, profético. E todos riram.
Hoje, está acontecendo outra vez.
O Parlamento Grego reuniu-se no domingo à noite (na madrugada da 2ª-feria, para ser bem preciso) para votar um novo memorando que imporá ainda mais restrições à classe média e aos mais pobres naquele país, que já enfrentam terríveis dificuldades. E, isso, para obter mais um empréstimo, 70% do qual será gasto para pagar o serviço da dívida anterior. A sessão foi orquestrada por um governo preposto (não eleito) – comandado por um primeiro-ministro banqueiro (também preposto, não eleito) – formado, dentre outros, de gente da extrema direita.
As novas medidas incluem corte de 22% no salário mínimo (32% para os de menos de 25 anos), 15.000 demissões no setor público em 2012 e 150 mil até 2015 (num país cuja taxa de desemprego já é superior a 20%!), cortes em serviços públicos (saúde, educação e assistência social), privatização de patrimônio público (rentável!), mais a promessa assinada de que as medidas serão implementadas, seja qual for o resultado das eleições previstas para abril – como decretou recentemente “Sua Alteza” Wolfgang Schäuble.
Na rua, à frente do Parlamento, centenas de milhares de pessoas (entre as quais Manolis Glezos e Mikis Theodorakis, heróis da resistência grega) reuniram-se para manifestar sua oposição ao memorando, à “Troika”, ao modelo econômico dominante e àqueles políticos gregos que votavam, no Parlamento. No que gritavam, ouvia-se um eco que chegava de Addis Abbeba e do fundo dos tempos: “Não podemos pagar essa dívida, primeiro porque, se não pagarmos, os credores não morrem. Isso é garantido. Mas se pagarmos, morremos nós. Isso também é garantido.”
À primeira vista, parece que não fez diferença alguma. O memorando foi aprovado pelo Parlamento. Mas, agora, a “Troika” está em pânico, com medo de ser derrubada pelo poder do povo, nas eleições de abril. Então, os credores tentam pateticamente adiar o pagamento do ‘resgate’ para depois das eleições, quando o novo governo grego, depois de eleito, tiver sido obrigado a jurar que também cumprirá os termos do memorando.
Temam o povo! Vivemos grandes tempos para a democracia!
Thomas Sankara, o homem que acreditava que revolucionários podem ser assassinados, mas não suas ideias, não chegou à Conferência da Organização da Unidade Africana do ano seguinte. Foi assassinado três meses depois daquele famoso discurso em Addis Abbeba, por seu ex-amigo e companheiro em armas, Blaise Compaoré, que continua lá, presidente de Burkina Faso, até hoje.
Fonte: rededemocratica.org
5 comentários:
O razão invocada por Sankara para o não pagamento da divida é vulgarmente designada por “divida odiosa” (providencialmente não é estudado nas universidades de economia) conceito algumas vezes usado ao longo da historia inclusive pelos E.U.A. quando “assaltaram” o Sadam Hussein e se viram confrontados com os credores do Iraque O conceito teoriza que a divida contraída em nome de um povo mas que foi usurpada (ex: um ditador ou regras viciadas) e não serviu a esse povo, não deve ser paga por quem dela não usufruiu, No caso da Grécia essa possibilidade já esta refém de um escolhido de Bruxelas que garante que o conceito não será invocado…mas a Grécia contraiu dividas num regime democrático…e não me recordo de alguma democracia que tenha invocado o termo…
A Grécia é neste momento um “tubo de ensaio” e o barómetro que definirá no futuro…até onde se pode esticar o povo habituado á democracia antes dele rebentar… e a partir dessa avaliação os “investidores” vão delineando as suas macabras estratégias…
Nuca uma “democracia” atingiu este caos…o que se pode revelar uma verdadeira “caixa de Pandora” em termos globais a paciência humana parece estar a ser puxada ao limite em todos os vectores … todas as “forças” em campo parecem visar a desestabilização da consciência humana, incentivar á irracionalidade e forçar á revolta… Ceder á tentação? Continuar paciente? Creio que a virtude estaria no meio-termo e na revolta pacifica selectiva e inteligente…mas tratando-se de psicologia de massas…Blogs como o teu podem fazer toda a diferença… as pequenas escolhas do dia-dia de todos nós podem ser o inicio (…) E sobre isso já falamos e deveríamos falar mais…e divulgar mais… ( Eu é que estou a alongar-me muito no texto : )
Caro Bruno,
concordamos que seja um ensaio para que os humanos vivam um '1984' com trés décadas de atraso.
Até 2014 deverá haver alguma comoção mundial, só esperamos que até lá as nossas patinhas já estejam trotando em outro plano de existência, junto com a nossa Mãezinha Susi, que se foi há quatro meses, repentinamente.
Muitos AUAUS para ti, BURGOS e todos os leitores deste blog.
de Lulu e Lipe.
Bruno
Concordo totalmente contigo, o "caminhop do meio é o mais acertado, boicotar tudo isso é a saída, sair as ruas fazendo manifestações é exatamente o que eles querem para ter motivos para espancamentos e prisões, se ficarem inertes também é o que eles querem. Mas boicotar o sistema é a única saída que temos, e temos que ter consciência que SOLIDARIEDADE é a palavra que vai salvar a todos.
Um grande abraço meu amigo
P.P.P.
Lulu e Lipe, em 2014 vocês ainda estarão aqui neste blog me ajudando e incentivando os humanos, dando o exemplo de solidariedade que existe entre os cães.
Um abração meus queridos amigos
A Hungria no laboratório do neoliberalismo
Milton Pinheiro*
18.Fev.12 :: Outros autores
A Hungria sofre um colossal retrocesso social e histórico: 1 milhão de desempregados, 2 milhões abaixo do limiar da pobreza, um terço dos trabalhadores recebendo o salário mínimo: 250 euros. Um processo selvagem de desindustrialização e de privatização: o capital estrangeiro domina 75% da economia, com 100% do sector bancário, 85% na indústria e agricultura, 100% na energia. Uma alta brutal nos preços de bens e dos serviços públicos, igualmente privatizados. Os grandes combinados industriais da economia planificada foram substituídos por empresas de no máximo 300 trabalhadores, quando antes eram de cinco mil. Hoje, 58% dos operários húngaros trabalham em empresas com menos de 50 trabalhadores.
E a isto tudo soma-se a direita fascista no poder.
http://www.odiario.info/?p=2384
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