
As presidentes da primeira e da terceira economia da América Latina, e que são as duas maiores da América do Sul, Dilma Rousseff e Cristina Fernández de Kirchner, apoiaram de forma clara e contundente a Palestina. Seus estrategistas de relações exteriores se mobilizaram para conseguir a adesão unânime dos chanceleres sul-americanos a uma declaração conjunta dos países árabes e dos governos da América do Sul em defesa dos palestinos. Quase conseguiram: faltou um. O governo da Colômbia. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno/Carta Maior
De tudo que aconteceu nesses últimos dias na  ONU,  alguns momentos merecem atenção – e não me refiro aqui ao mais  óbvio de  todos, o discurso, esse sim histórico, do presidente da  Autoridade  Nacional Palestina, Mahmud Abbas, pedindo para seu país ser  aceito como  estado-membro.
Também merece atenção um fato que diz  respeito à América Latina: as  posições adotadas pela região diante da  reivindicação palestina mostram  indícios de uma clara divergência, e que  essa divergência reflete, por  sua vez, um grau maior ou menor de  alinhamento – ou dependência,  conforme o ponto de vista – diante de  Washington.
As presidentes da primeira e da terceira economia da  América Latina, e  que são as duas maiores da América do Sul, Dilma  Rousseff e Cristina  Fernández de Kirchner, apoiaram de forma clara e  contundente a  reivindicação palestina. E mais: seus estrategistas de  relações  exteriores se mobilizaram rapidamente para conseguir a adesão  unânime  dos chanceleres sul-americanos a uma declaração conjunta dos  países  árabes e dos governos da América do Sul em defesa dos palestinos.
Quase conseguiram: faltou um. O governo da Colômbia, terceira  economia  sul-americana e quarta da América Latina, preferiu não mandar  seu  chanceler ao encontro em que os termos do documento foram  negociados. O  próprio presidente colombiano, Juan Manuel Santos, ao sair  de um  encontro privado com Dilma Rousseff, repetiu o que havia feito  antes,  em seu discurso na Assembléia Geral: um pedido para que Israel e  os  palestinos voltem a negociar ‘assim que possível’.
Outro país  que preferiu manter-se à margem foi o México, segunda  economia da  América Latina. Em seu discurso na ONU, o presidente Felipe  Calderón  falou da turbulência que afeta seu país, criticou o tráfico  de drogas,  voltou a pôr a culpa dos estragos padecidos pelo México nos  Estados  Unidos, disse que 30% dos jovens norte-americanos são  consumidores de  drogas. Na hora de falar da reivindicação dos  palestinos, disse que não  era favorável e defendeu o diálogo com  Israel. De peso político e  econômico muito menor, a Guatemala também  virou as costas para os  palestinos.
O que chama a atenção, porém, é o fato de as quatro  maiores economias  latino-americanas estarem claramente divididas entre  uma posição  pró-palestina e outra, pró-Israel e pró-Washington.
É  sabido e reconhecido que os países latino-americanos estão, hoje,  muito  melhor preparados que há dois anos para enfrentar as crises  globais,  cujo eixo saiu dos Estados Unidos e passou para a Europa. Isso  deveria,  ao menos em tese, permitir que pudessem adotar posições  próprias, o que  faria com que na hora de entrar em outras searas – os  organismos  financeiros multilaterais, por exemplo – estivessem  fortalecidos para,  juntos, defender interesses comuns.
Claro que há de se considerar  a real possibilidade de que tanto Juan  Manuel Santos como Felipe  Calderón estejam realmente convencidos de que  os palestinos não devem  reivindicar nada e sentar-se com Israel para  ver o que conseguem. Claro  que pode acontecer que, de fato, haja uma  plena coincidência com a  intransigente posição de Washington, e que  tudo não passe disso: uma  coincidência.
Há outras coincidências, porém, que não podem ser  ignoradas. Os dois  países dependem visceralmente dos Estados Unidos. A  Colômbia chegou a  provocar fortes turbulências com seus vizinhos  sul-americanos ao  aceitar um pacto militar, em 2009, que previa a  instalação de mais  cinco bases dos Estados Unidos em seu território. Foi  preciso a dura  intermediação de vários presidentes sul-americanos, com  Lula da Silva à  cabeça, para impedir, na última hora, que o acordo fosse  assinado. O  México, por sua vez, depende a tal ponto da economia  norte-americana  que seu alinhamento com as posições de Washington é  praticamente  automático. Foram-se os tempos de uma política externa que  mantinha  independência e freqüentemente se chocava de frente com os  ditames  imperiais vindos da fronteira norte.
De coincidência em  coincidência, vale também relembrar outra: não é de  hoje que, apesar de  todos os conflitos em seu comércio bilateral,  Brasil e Argentina  caminham por numa vereda cheia de pontos de encontro  em suas políticas  externas. Isso vem acontecendo desde 2003. Nestor  Kirchner e Lula da  Silva foram parceiros na hora de rejeitar a  esdrúxula idéia  norte-americana de criar a ALCA, a nefasta Aliança de  Livre Comércio das  Américas, liquidaram as dívidas de seus países com o  FMI quase que na  mesma época, atuaram juntos para impedir golpes de  Estado na Bolívia, na  Venezuela e no Equador. E essa coincidência se se  repete agora, de  forma sólida, com Dilma Rousseff e Cristina Kirchner.
Como se  pode notar, há coincidências boas e coincidências ruins. Tudo  depende do  ponto de vista de quem observa. Há quem ache que atuar de  maneira  correta e consistente é ter plena liberdade para fazer tudo que  seu  mestre mandar. Há quem ache que atuar de maneira correta e  consistente é  ter integridade para fazer o que é mais digno. E não há  coincidência  possível entre uma e outra postura.
Fonte: reproduzido de Patria Latina/Carta Maior
Um comentário:
Não era de se esperar outra coisa México, Colômbia e Guatemala estarem alinhados com Washington e eles acreditarem que Palestinos e Israelenses devem sentar para negociar a paz, é no mínimo hilário e aqui aproveito para reproduzir a fábula de La Fontaine que me parece bem apropriada para o assunto do post:
O LÔBO E O CORDEIRO
Na água limpa de um regato,
matava a sede um cordeiro,
quando, saindo do mato,
veio um lobo carniceiro.
Tinha a barriga vazia,
não comera o dia inteiro.
- Como tu ousas sujar
a água que estou bebendo?
- rosnou o Lobo a antegozar
o almoço. - Fica sabendo
que caro vais me pagar!
- Senhor - falou o Cordeiro -
encareço à Vossa Alteza
que me desculpeis mas acho
que vos enganais: bebendo,
quase dez braças abaixo
de vós, nesta correnteza,
não posso sujar-vos a água.
- Não importa. Guardo mágoa
de ti, que ano passado,
me destrataste, fingido!
- Mas eu nem tinha nascido.
- Pois então foi teu irmão.
- Não tenho irmão, Excelência.
- Chega de argumentação.
Estou perdendo a paciência!
- Não vos zangueis, desculpai!
- Não foi teu irmão? Foi o teu pai
ou senão foi teu avô.
Disse o Lobo carniceiro.
E ao Cordeiro devorou.
Onde a lei não existe, ao que parece,
a razão do mais forte prevalece!!
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