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sábado, 10 de setembro de 2011

A GUERRA CONTRA KADHAFI É A GUERRA CONTRA A ÁFRICA


As informações que chegam até nós relacionadas a invasão a Líbia, capitaneada pelos EUA, e executadas pela OTAN, são no mínimo escassas para não dizer repleta de falácias cujo objetivo é o de esconder os reais planos de nações, historicamente criminosas, como Inglaterra e França sobre os povos africanos e asiáticos- como ocorreu durante imensos períodos da “história da civilização europeia”- recentemente reportamos a acontecimentos que encerram tal perspectiva.


Ao que parece, mesmo diante de denúncias das mais diversas que pipocam em várias regiões ( a grande imprensa não divulga absolutamente nada sobre isso) e a saga criminosa prossegue. Parece um uníssono sem nenhum brado contrário. O magnífica análise de Pougala nos convida a fazermos uma reflexão sobre o que de fato acontece no continente africano e o que o destino reserva aos nossos irmãos que lá residem. Ela é longa. Ela é muito esclarecedora, é por isso.

“Depois de 500 anos de uma relação profundamente desigual com o Ocidente, está claro que não devemos adotar os mesmo critérios de bem e mal. Temos interesses profundamente divergentes.“

“Devíamos [a África] abandonar as Nações Unidas para registrar a nossa rejeição a uma visão de mundo que se baseia na aniquilação dos que são mais fracos. “

por Jean-Paul Pougala (*) [Nota: No fim do artigo, há um vídeo, com entrevistas ao autor]


- foto cc NASA- 1- o primeiro satélite africano RASCOM -1


Foi a Líbia de Kadafi que ofereceu a toda a África a primeira revolução de modernidade: a conexão do continente inteiro por telefone, televisão, rádio e demais aplicações tecnológicas, como a telemedicina e o ensino à distância. Pela primeira vez, uma conexão de baixo custo tornou-se disponível em todo o continente, inclusive nas zonas rurais, graças à utilização do sistema WiMax.

A estória começa em 1992, quando 45 países africanos criaram a sociedade RASCOM, para dispor de um satélite africano, e fazer cair os custos de comunicação no continente. Telefonar de, e para a África era, então, sujeito à tarifa mais cara do mundo, porque existia um imposto de 500 milhões de dólares que a Europa cobrava anualmente sobre todas as conversas telefônicas, mesmo as locais, para permitir a utilização dos canais dos satélites europeus, como o Intelsat. Um satélite africano custaria apenas 400 milhões de dólares, à vista, contra os 500 milhões anuais de locação de satélites alheios. Que banqueiro se recusaria a financiar tal projeto? Mas a equação mais difícil de resolver era: como o escravo poderia se libertar da exploração servil do seu mestre, se tinha que pedir ajuda a ele? Assim, o Banco Mundial, o FMI, os EUA e a União Européia ficaram enrolando aqueles países por 14 anos.

Foi em 2006 que Kadafi pôs fim ao suplício da inútil mendicância aos pretensos benfeitores ocidentais prestadores de crédito a taxas extorsivas: o guia líbio entrou com 300 milhões de dólares, seguido do Banco Africano de Desenvolvimento, com 50 milhões, e do Banco do Oeste-Africano de Desenvolvimento, com 27 milhões. E foi assim que a África passou a ter, depois de 26 de Dezembro de 2007, o primeiro satélite de comunicações da sua história.

A China e a Rússia vieram em seguida, desta vez cedendo a sua tecnologia, e permitiram o lançamento de novos satélites, um sul-africano, um nigeriano, um angolano e um argelino. E em 2010, um segundo satélite da RASCOM foi colocado em órbita, em substituição ao primeiro, que tinha sofrido uma pane durante o lançamento, que encurtou a sua vida útil. E esperamos para 2020 o lançamento do primeiro satélite totalmente concebido e construído em solo africano, mais especificamente, na Argélia. Está previsto que esse satélite faça frente aos melhores do mundo, a um custo 10 vezes inferior, representando um verdadeiro desafio.

Eis como um simples gesto simbólico de 300 pequenos milhões pode mudar a vida de todo um continente. A Líbia de Kadafi fez perder ao Ocidente não apenas 500 milhões de dólares por ano, mas milhares de dólares de juros que essa mesma dívida gerava a prazos a perder de vista e de forma exponencial, e que contribuíam dessa forma para manter o sistema oculto de espoliação da África.

2 – O Fundo Monetário Africano, o Banco Central Africano, o Banco Africano de Investimentos

Os 30 bilhões de dólares embargados por Obama pertencem ao Banco Central Líbio e estavam previstos para serem usados como contribuição líbia a três projetos-chave para a concretização da federação africana:

- o Banco Africano de Investimentos, em Sirte, na Líbia;

- o estabelecimento, em 2011, do Fundo Monetário Africano, com sede em Yaounde, com um fundo de capital de 42 bilhões de dólares; e

- o Banco Central Africano, com sede na Nigéria, que, quando começar a imprimir moeda africana, significará o fim do franco CFA, através do qual Paris tem mantido o controle sobre alguns países africanos nos últimos 50 anos. É fácil de entender a raiva dos franceses contra Kadafi.

O objetivo do Fundo Monetário Africano é substituir totalmente as atividades do FMI em África , que, com apenas 25 bilhões de dólares, foi capaz de subjugar um continente inteiro e fazê-lo engolir privatizações questionáveis que forçaram países africanos a migrarem de monopólios estatais para monopólios privados. Não é nenhuma surpresa que em 16 e 17 de Dezembro de 2010, os africanos tenham sido unânimes em rejeitar as tentativas de adesão de países ocidentais ao Fundo Monetário Africano, dizendo que ele estava aberto apenas às nações africanas.

É cada vez mais evidente que , depois da Líbia, a coalizão ocidental se voltará contra a Argélia, porque, além das suas vastas reservas energéticas, o país tem reservas monetárias de aproximadamente 150 bilhões de libras. É este chamariz que move os países que bombardeiam a Líbia, países esses que têm, todos, uma característica em comum: estão à beira da falência. Os Estados Unidos, sozinhos, possuem uma espantosa dívida de 14 trilhões de dólares; França, Inglaterra e Itália apresentam um déficit público, cada um deles, de 2 trilhões de dólares. Esses números são mais gritantes quando comparados com os menos de 400 bilhões de dólares correspondentes à soma dos déficits públicos de 46 nações africanas juntas.

O incitamento a guerras espúrias em África na esperança de que isso lhes revitalize as economias que afundam cada vez mais no marasmo, apressará, em última instância, o declínio ocidental, que na verdade já tinha começado em 1884, durante a notória Conferência de Berlim. Como previu o economista Adam Smith citado, em 1865, por Abraham Lincoln quando da abolição da escravidão nos Estados Unidos, “a economia de qualquer país que dependa da escravidão de negros está destinada a descer ao inferno no dia em que as outras nações acordarem”.

3 – Unidades regionais como obstáculo à criação dos Estados Unidos Africanos

Para desestabilizar e destruir a união africana, que caminhava perigosamente (do ponto de vista do Ocidente) em direção à criação dos Estados Unidos Africanos, sob a liderança de Kadafi, a União Européia tentou, primeiramente, e sem sucesso, criar a União para o Mediterrâneo (UPM). A África do Norte tinha que, de alguma forma, ser separada do restante da África, de acordo com os velhos clichês racistas dos séculos XVIII e XIX, segundo os quais os africanos de ascendência árabe seriam mais evoluídos e civilizados do que o restante do continente. Essa tentativa falhou porque Kadafi se recusou a participar dela. Ele logo compreendeu o jogo que estava sendo armado, quando apenas um grupo de países africanos foi convidado para se juntar ao grupo mediterrâneo, sem comunicar à União Africana, juntamente com todos os 27 membros da União Européia.

Sem a força motriz da Federação Africana, a UPM fracassou antes mesmo de começar, natimorta sob a presidência de Sarkozy e a vice-presidência de Mubarak. O ministro das relações exteriores francês, Alain Juppe, está tentando relançar a idéia, apostando as fichas na queda de Kadafi. O que os líderes africanos não conseguem entender é que enquanto a União Européia continuar a financiar a União Africana, o status quo permanecerá inalterado, porque inexistirá uma efetiva independência. Este é o motivo que levou a União Européia a encorajar e financiar agrupamentos regionais em África.

É óbvio que a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS), que possui uma embaixada em Bruxelas, e depende, na sua quase totalidade, do financiamento da União Européia, é um vociferante opositor à federação africana. Foi por isso que Lincoln lutou na Guerra de Secessão estadunidense, porque no momento que um grupo de estados forma uma organização política regional, o grupo maior é enfraquecido. Foi isto que a Europa quis e os africanos nunca entenderam, ao criar uma profusão de agrupamentos regionais, COMESA, UDEAC, SADC, e o Grande Maghreb, que nunca viu a luz do dia graças a Kadafi, que entendia o que estava acontecendo.

Kadafi, o africano que limpou o continente da humilhação do apartheid


Para a maioria dos africanos, Kadafi é um homem generoso, um humanista, conhecido pelo apoio incondicional à luta contra o regime racista na África do Sul. Se ele tivesse agido de forma egoísta, ele não teria corrido o risco de sentir a ira ocidental ao apoiar o Congresso Nacional Africano (CNA) tanto militarmente quanto financeiramente, na sua luta contra o apartheid. Foi por isso que Mandela, logo após a sua libertação depois de passar 27 anos na cadeia, decidiu visitar a Líbia em 23 de Outubro de 1997, quebrando o embargo da ONU. Por cinco longos anos, nenhum avião estava autorizado a aterrissar na Líbia. Era necessário ir de avião até à cidade tunisiana de Jerba, e prosseguir por uma estrada que cruza o deserto durante cinco horas, até chegar a Ben Gardane, depois atravessar a fronteira, e continuar por outra estrada através do deserto durante mais três horas, antes de chegar finalmente a Tripoli. A outra solução seria partir de Malta e atravessar o mar em velhas embarcações, até chegar à costa líbia. Uma jornada infernal para toda uma população, apenas para punir um homem.

Mandela não mediu palavras quando o então presidente dos Estados Unidos Bill Clinton disse que a visita era “mal vista”. “Nenhum país pode reclamar para si o policiamento do mundo, e nenhum estado pode ditar o que outro deve fazer,” disse Mandela. E acrescentou, “aqueles que ontem eram amigos dos nossos inimigos e têm a ousadia de dizer, hoje, que eu não devo visitar o meu irmão Kadafi, estão pedindo que sejamos ingratos e esqueçamos os nossos amigos do passado.”

De fato, o Ocidente ainda considerava a África do Sul racista como um irmão que precisava de proteção. É por isso que membros do ANC, inclusive Mandela, foram considerados perigosos terroristas. Foi apenas em 2 de Julho de 2008 que o Congresso dos Estados Unidos votou, finalmente, uma lei para remover o nome de Nelson Mandela e seus companheiros do ANC da lista negra, não porque tivessem finalmente percebido o quão estúpida era essa lista, mas porque queriam marcar o nonagésimo aniversário de Mandela. Se o Ocidente estivesse realmente consternado pelo apoio que no passado dera aos inimigos de Mandela, e estivesse sendo sincero quando passou a nomear ruas e logradouros com o nome de Mandela, como se explica que continue a guerrear contra alguém que ajudou Mandela e seu povo a serem vitoriosos?

Aqueles que querem exportar a democracia são realmente democratas?

E se a Líbia de Kadafi for mais democrática que os Estados Unidos, a França, a Grã-Bretanha e outros países que se valem do apelo à democracia para guerrear a Líbia? Em 19 de março de 2003, o presidente Bush começou o bombardeio ao Iraque sob o pretexto de levar a democracia. Em 19 de março de 2011, exatamente oito anos depois desse dia, foi a vez do presidente francês fazer chover bombas sobre a Líbia, mais uma vez sob a desculpa de levar a democracia. O Nobel da Paz, e presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, diz que o lançamento de mísseis Cruise a partir de submarinos é para afastar o ditador e introduzir a democracia.

A questão, que até alguém com o mínimo de inteligência não pode evitar de colocar, é a seguinte: países como a França, Inglaterra, Estados Unidos, Itália, Noruega, Dinamarca, Polônia, que defendem o seu direito de bombardear a Líbia fundamentados pelo seu auto proclamado estatuto democrático, serão esses países realmente democráticos? Se sim, serão eles mais democráticos do que a Líbia de Kadafi? A resposta, na verdade, é um retumbante NÃO, pela simples e evidente razão de que a democracia não existe. Isto não se trata de uma opinião pessoal, mas da citação de alguém cuja cidade natal, Genebra, abriga a maioria das instituições das Nações Unidas. A citação é de Jean Jacques Rousseau, nascido em Genebra em 1712, e que escreveu no capítulo quatro de seu famoso livro “Do Contrato Social”, que “nunca houve uma verdadeira democracia e nunca haverá.”

Rousseau estabelece as quatro seguintes condições para que um país seja denominado uma democracia, condições essas, diga-se de passagem, que dão à Líbia de Kadafi um estatuto mais democrático do que os conhecidos exportadores de democracia:

1 – O Estado: Quanto maior o país, menos democrático ele poderá ser. De acordo com Rousseau, o estado tem que ser extremamente pequeno para que as pessoas possam se juntar e conhecer umas às outras. Antes de pedir o voto às pessoas, o pretendente tem que garantir que todos se conheçam, caso contrário a votação será um ato sem base democrática, um simulacro de democracia para eleger um ditador.

O estado líbio baseia-se num sistema de alianças tribais, que, por definição, agrupa pessoas em pequenas entidades. O espírito democrático está muito mais presente numa tribo, numa vila, do que numa grande cidade, simplesmente porque as pessoas se conhecem umas às outras, compartilham um mesmo ritmo de vida que envolve uma espécie de auto-regulação, ou mesmo, auto-censura, no sentido de que as reações e contra-reações dos outros membros impactam no grupo.

Sob essa perspectiva, parece que a Líbia se encaixa melhor nas condições estabelecidas por Rousseau do que os Estados Unidos, França e Grã-Bretanha, todas sociedades altamente urbanizadas, em que a maioria dos vizinhos nem se cumprimenta e, portanto, não se conhece, mesmo que more lado a lado há mais de vinte anos. Estes países passaram para o próximo estágio – o “voto”, inteligentemente santificado para ofuscar o fato de que votar no futuro do país é inútil quando o dono do voto nem conhece os outros cidadãos. Esta situação é levada ao limite do ridículo quando o direito ao voto é estendido a pessoas que moram fora do país. A comunicação entre as pessoas é precondição para qualquer debate democrático antes de uma eleição.

2 – A simplicidade dos costumes e dos padrões de comportamento também é essencial se se quiser evitar o desperdício de tempo em debates sobre procedimentos legais e judiciais de forma a lidar com a profusão de conflitos de interesses inevitáveis em sociedades grandes e complexas. Os países ocidentais se auto-proclamam nações civilizadas, com uma estrutura social mais complexa, enquanto a Líbia é descrita como um país primitivo, com um conjunto simples de costumes.

Este aspecto também indica que a Líbia responde melhor ao critério democrático de Rousseau que todos os outros que querem dar lições de democracia. Os conflitos nas sociedades democráticas complexas são geralmente ganhos por aqueles que têm mais poder, e é por isso que os ricos conseguem evitar a prisão, já que têm condições de contratar advogados brilhantes, e acabam desviando a repressão estatal para aqueles que roubam uma banana do supermercado, não para os criminosos financeiros que levam bancos à falência. Na cidade de Nova York, por exemplo, em que 75% da população é branca, 80% dos postos de gerência são ocupados por brancos, que contabilizam apenas 20% da população carcerária.

3 – Igualdade em status e riqueza: uma olhada na lista da Forbes de 2010 revela quem são as pessoas mais ricas nos países que atualmente bombardeiam a Líbia, e qual é a diferença entre eles e aqueles que ganham os salários mais baixos; um exercício similar na Líbia mostrará que em termos de distribuição de renda, a Líbia tem muito mais a ensinar do que aqueles que a atacam neste momento, e não o contrário. Portanto, de novo, usando o critério de Rousseau, a Líbia é mais democrática do que as nações que ostentam pomposamente a pretensão de veículos da democracia. Nos Estados Unidos, 5% da população é proprietária de 60% da riqueza nacional, tornando-a a sociedade mais desigual e desequilibrada do mundo.

4 – Sem luxo: de acordo com Rousseau, não poderá existir nenhum luxo na democracia. O luxo, diz ele, transforma a riqueza numa necessidade, que substitui, como virtude, o bem-estar de todos. “O luxo corrompe tanto o rico quanto o pobre, um através da posse, o outro, da inveja; amolece a nação e torna-a presa da vaidade; distancia as pessoas do Estado e escraviza-as, tornando-as escravas da opinião.”

Há mais luxo em França ou na Líbia? Os relatos de empregados cometendo suicídio devido a condições estressantes de trabalho, mesmo em empresas públicas ou mistas, sempre em nome da maximização do lucro para a preservação do luxo de uma minoria, dizem respeito ao Ocidente, não à Líbia.

O sociólogo estadunidense C. Wright Mills escreveu em 1956 que a democracia estadunidense era uma “ditadura da elite.” De acordo com Mills, os Estados Unidos não são uma democracia porque é o dinheiro que fala durante as eleições, não o povo. Os resultados de cada eleição são a expressão da voz do dinheiro e não da voz do povo. Depois de Bush sênior e Bush Junior, eles já falam de um Bush mais jovem para as primárias republicanas de 2012. Além do mais, como assinalou Max Weber, uma vez que o poder político é dependente da burocracia, os Estados Unidos têm 43 milhões de burocratas e militares que efetivamente governam o país sem serem eleitos e sem precisarem prestar contas às pessoas pelas suas ações. Uma pessoa (uma rica) é eleita, mas o poder real fica na casta dos ricos que depois são nomeados como embaixadores, generais, etc.

Quantas pessoas nestas auto-proclamadas democracias sabem que a constituição peruana proíbe a re-eleição de um presidente? Quantos sabem que na Guatemala, o impedimento à re-eleição se estende aos familiares do presidente? Ou que Ruanda é o único país no mundo que tem 56% de parlamentares do sexo feminino? Quantos sabem que de acordo com o índice da CIA de 2007, quatro dos países mais bem governados do mundo são africanos? Que o primeiro lugar vai para a Guiné Equatorial, cujo débito público representa apenas 1,14% do PIB?

Rousseau afirma que guerras civis, revoltas e rebeliões são os ingredientes para o começo da democracia. Simplesmente porque a democracia não é um fim, mas um processo permanente de reafirmação dos direitos naturais dos seres humanos, que na maioria dos países ao redor do mundo (sem exceção), são espezinhados por meia dúzia de homens e mulheres que seqüestraram o poder do povo para perpetuar a sua supremacia. Existem aqui e ali grupos de pessoas que usurparam o termo “democracia” – ao invés de ser um ideal a ser constantemente perseguido, tornou-se um rótulo a ser apropriado ou um slogan a ser usado por aqueles que podem gritar mais alto que os demais. Se um país é tranqüilo, como a França ou os Estados Unidos – quer dizer, sem rebeliões – isso só significa que, de acordo com a perspectiva de Rousseau, o sistema que os governa é suficientemente repressor para abafar qualquer revolta.

A possibilidade de os líbios se revoltarem não é algo negativo. O que é mau é afirmar que as pessoas aceitam estoicamente um sistema que as reprime sem reagirem. E Rousseau conclui, “malo periculosam libertatem quam quietum servitium” (prefiro os perigos da liberdade à quietude da servidão) Afirmar que se matam líbios pelo seu próprio bem é, no mínimo, uma mistificação.

Quais são as lições para a África?

Depois de 500 anos de uma relação profundamente desigual com o Ocidente, está claro que não devemos adotar os mesmo critérios de bem e mal. Temos interesses profundamente divergentes. Como não deplorar o voto de aprovação por três países subsaarianos (Nigéria, África do Sul e Gabão) à resolução 1973,que inaugurou a mais recente forma de colonialismo batizada de “proteção aos povos”, e que legitimou as teorias racistas que têm formado os europeus desde o século XVIII, e de acordo com as quais o Norte da África não tem nada a haver com a África Subsaariana, que o Norte da África é mais evoluído, culto e civilizado que o resto do continente?

É como se Tunísia, Egito, Líbia e Argélia não fossem parte da África. Mesmo as Nações Unidas parecem ignorar o papel da União Africana nos assuntos relativos aos seus estados-membros. O objetivo é isolar os países africanos subsaarianos para melhor controlá-los. De fato, a Argélia , com 16 bilhões de dólares, e a Líbia, com 10 bilhões de dólares, contribuem, juntos , com 62% dos 42 bilhões de dólares que constituem o capital do Fundo Monetário Africano (AMF). O maior e mais populoso país da África Subsaariana, a Nigéria, seguida da África do Sul, estão bem longe, com contribuições de apenas 3 bilhões de dólares cada.

É desconcertante, para dizer o mínimo, que pela primeira vez na história das Nações Unidas se tenha declarado guerra contra um povo sem ter explorado a menor possibilidade de uma solução pacífica para a crise. A África ainda pertence a esta organização? A Nigéria e a África do Sul estão preparadas para dizer “sim” a qualquer coisa que o Ocidente lhes peça, por acreditarem ingenuamente nas vagas promessas de um assento permanente no Conselho de Segurança, com direitos similares de veto. Ambos esquecem que a França não tem poderes para oferecer nada. Se tivesse, Mitterand já teria feito o que era necessário, na época, para a Alemanha de Helmut Kohl.

A reforma das Nações Unidas não está na agenda. A única forma de se fazer ouvir é usando o método chinês – todas as 50 nações africanas deveriam abandonar as Nações Unidas e retornar somente quando a sua antiga demanda fosse atendida, um assento para toda a federação africana ou nada. Um método não-violento como este é a única arma de justiça disponível para os pobres e fracos que nós somos. Devíamos simplesmente nos retirar das Nações Unidas porque essa organização, pela própria estrutura e hierarquia que a constitui, está a serviço dos mais fortes.

Devíamos abandonar as Nações Unidas para registrar a nossa rejeição a uma visão de mundo que se baseia na aniquilação dos que são mais fracos. Eles são livres para continuar a agir da mesma forma, mas pelo menos não faremos parte disso, e não estaremos apoiando coisas sobre as quais nunca fomos perguntados. E mesmo quando pudemos expressar o nosso ponto de vista, como fizemos no sábado, 19 de março, em Nouakchott, quando nos opusemos à ação militar, a nossa opinião foi simplesmente ignorada, e as bombas começaram a cair sobre o povo africano.

Os eventos de hoje lembram o que aconteceu com a China no passado. Hoje, reconhecem o governo Ouattara e o governo rebelde na Líbia como fizeram no final da Segunda Guerra Mundial com a China. A assim chamada comunidade internacional elegeu Taiwan como única representante do povo chinês, ao invés de Mao, na China. Levou 26 anos para que, em 25 de Outubro de 1971, a ONU aprovasse a resolução 2758, que todos os africanos deveriam ler, para pôr fim a essa insensatez humana. A China foi admitida, mas de acordo com os seus termos: ela se recusava a tornar-se membro se não tivesse direito a veto. Quando a demanda foi atendida e a resolução publicada, ainda demorou um ano para que o ministro das relações exteriores da China respondesse por escrito ao Secretário Geral das Nações Unidas, em 29 de Setembro de 1972, numa carta que não dizia “sim” ou “obrigado”, mas listava as garantias requeridas para garantir o respeito à dignidade da China.

O que a África espera das Nações Unidas se não fizer jogo duro? Vimos como na Costa do Marfim um burocrata das Nações Unidas se considera acima da constituição do país. Entramos nesta organização como escravos, e acreditar que seremos convidados para jantar na mesma mesa e comer dos pratos que nós mesmo lavamos, não é apenas ingenuidade, é estupidez.

Quando a União Africana endossou a vitória de Ouattara e riscou relatos contrários dos seus próprios observadores eleitorais, simplesmente para agradar aos antigos mestres, como podemos esperar ser respeitados? Quando o presidente Zuma da África do Sul declara que Ouattara não ganhou as eleições, e depois diz exatamente o oposto durante uma viagem a Paris, é necessário se questionar a credibilidade destes líderes, que clamam representar e falar em nome de bilhões de africanos.

A força da África e a verdadeira liberdade só virão se o continente puder empreender ações pensadas e assumir as responsabilidades. A dignidade e o respeito vêm com um preço alto. Estamos preparados para pagá-lo? Senão, o nosso lugar é na cozinha e nos banheiros, para melhorar o conforto dos outros.

(*)Jean-Paul Pougala é um escritor de origem cameronesa, diretor do Instituto de Estudos Geoestratégicos e professor de sociologia na Universidade de Diplomacia de Genebra, na Suíça.

Traduzido por Gustavo Lapido Loureiro
Fonte: http://www.pambazuka.org/en/category/features/72575



Divulguem para que o mundo conheça a verdade!!!


Fonte: blog do professor jeovane esquerdopata
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