O discurso do presidente Chávez no ato de inscrição de sua candidatura para as eleições do dia sete de outubro deste ano assinala várias diferenças com seu rival, o candidato da oposição Henrique Capriles Radonski. Há um primeiro conjunto de diferenças, assinaladas pela estrutura discursiva e pela capacidade de reunir um conjunto de ideias em um lapso bastante prolongado (mais de três horas).
Por Juan Eduardo Romero*
Nesse conjunto de expressões, observou-se um indivíduo que desmente as versões de uma enfermidade terminal. Fisicamente, é inaudito pensar que uma pessoa que esteja –como divulgam os meios nacionais e internacionais- em uma etapa iminente à sua morte possa não somente manter-se de pé discursando, como também que esse discurso tenha unidade temática, coerência e significado.
No domingo, 10 de junho, observamos um Capriles duvidando na estrutura
sintática e gramatical de seu discurso, além dos evidentes vazios
conceituais e a suas infrutíferas tentativas de mostrar emoção (Te
quero, Venezuela!). Na segunda, 11 de junho, se viu um Chávez conectado,
sensibilizado com os coletivos, com seus seguidores. Assistimos a um
discurso que demonstra o que expressou o grande pensador francês Michel
Foucault: um discurso que é dito, ou seja, um discurso que se reproduz
por aceitação ou por rejeição.
Essa reprodução está relacionada a diversos elementos. Um deles é a
capacidade de vincular o mundo pessoal – o do ser humano, não o do
presidente - com outros mundos pessoais dos grupos de pessoas que o
rodeiam. Corresponde a uma capacidade de leitura de certos temas que são
considerados essenciais à própria condição humana. Outro elemento
evidenciado é a insistência em colocar no campo da discussão cidadã
tópicos (lexias) que se relacionam com a vida cotidiana de todos
(segurança, emprego, meio ambiente, prosperidade).
Nesse primeiro conjunto de elementos, o balanço é claro: um candidato que dá mostras de coerência enunciativa, paradigmática, com capacidade para manter atento a um público que marchou, que se mobilizou. Nesse conjunto de elementos, ambos candidatos usaram manifestações de natureza física. Capriles, caminhando cerca de 10 quilômetros com o objetivo de mostrar-se tal como é: jovem e dinâmico. Chávez, mantendo-se parado por mais de 180 minutos contínuos. Essas manifestações físicas têm sentidos simbólicos diferentes: para Capriles, trata-se de mostrar que ele é um candidato dinâmico, que dá demonstrações de força em contraste com um candidato –supostamente- enfermo. Por seu lado, Chávez mostrou uma presença física que ridiculariza os rumores, as especulações tecidas pela agenda midiática. Sua presença física gera um efeito tranquilizador nos bolivarianos, que tinham uma dúvida razoável sobre suas condições de saúde.
Há um segundo conjunto de diferenças próprias da própria significação das ideias apresentadas. O candidato Capriles mostrou-se dinâmico –isso ninguém duvida-, porém, carente de profundidade e convencimento em sua estrutura discursiva. Os constantes vazios na articulação do discurso fazem ver um homem que não é capaz de manter uma lógica de significados e significantes em temas que podem sensibilizar aos cidadãos. Ao abordar áreas como segurança, emprego não conseguiu convencer com uma proposta que fosse sentida como conexão aos profundos sentimentos da população. Observamos um discurso que passava de umas ideias –desconectadas, sem sentido- a outras, sem conseguir defini-las com profundidade. Por seu lado, o discurso de Chávez –além de sua extensão temporal- mostrou manter intactas as vantagens de uma liderança carismática e emotiva. Esses elementos permitiram que se conectasse com coletivos que se mostraram preocupados com seu estado de saúde. No entanto, além disso, nesse segundo conjunto de elementos, vimos uma clara definição ideológica. Capriles, por seu lado, mesmo tentando estabelecer comparações, não o fez sobre a base da construção de um "eles” e um "nós” que os colocasse no espectro direita-esquerda, no qual se situam tradicionalmente os cidadãos.
O discurso de Chávez foi emotivo ao mesmo tempo em que se posicionou
como um discurso de esquerda, nacionalista e anti-imperialista. A
proposta que esboçou sob a ideia de objetivos históricos nos mostra uma
perspectiva –ou melhor, prospectiva, por sua visão de futuro- que coloca
o processo venezuelano com um amplo sentido histórico; porém, também
como uma resposta ante a crise de acumulação –e depredação do sistema
capitalista.
Quando Chávez assinala como prioridade a independência, ou propõe como uma resposta à articulação em rede sob a ditadura do capital, que leva aos Estados nacionais a adaptar-se e acoplar-se às necessidades de acumulação de riqueza do sistema-mundo e que são a base das diferenças na distribuição da riqueza. Da mesma forma acontece com a ideia de construir um modelo de socialismo que se distancie das perversões do socialismo real soviético ou cubano, e outro tanto com a necessidade de transformar o país em uma potência que canalize –e encabece- iniciativas de articulação de esforços grã-nacionais que construam alternativas às formas de controle e espoliação capitalista. Para isso, a contribuição a elaborar alternativas pluripolares, como Unasul, Celac, Alba e Banco do Sul, são uma necessidade histórica.
Para Chávez, um processo como o venezuelano não pode sobreviver sem
conseguir levar além de suas fronteiras a proposta de transubstanciação
social e cultural. Finalmente, tudo isso conduz à prioridade de
conseguir sobreviver às próprias dinâmicas destrutivas da vida,
propiciadas a partir da lógica espoliativa do capitalismo. Como
conclusão, fomos testemunhas de uma confrontação de ideias que deixou
claro quem é quem no campo ideológico.
*Juan Eduardo Romero é professor e pesquisador da Universidade do Zulia, Venezuela. Historiador especialista em processos políticos Contemporâneos
Fonte: Adital, VermelhoImagem: Google (colocadas por este blog)
Vídeos: Youtube (colocados por este blog)
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