Em uma mensagem enviada em outubro de 2009 pela missão diplomática estadunidense em Viena, antes da posse de Amano, posteriormente vazada pelo sítio Wikileaks, um diplomata descreve uma reunião com o já nomeado diretor-geral:
«Amano recordou o embaixador, em várias ocasiões, que ele precisaria fazer concessões ao G-77 [grupo dos países em desenvolvimento - n.e.], que, corretamente, exigiam dele que fosse imparcial e independente, mas que ele estava solidamente no campo estadunidense em cada decisão estratégica chave, desde a nomeação de pessoal de alto nível ao manejo do alegado programa de armas nucleares do Irã.»
Sem concessões à ironia, o redator da nota a intitula “DG [diretor-geral] de todos os Estados, mas em concordância conosco” (The Guardian, 2/10/2010).
Com tais antecedentes, não é de causar surpresa a divulgação do recente relatório sobre o programa nuclear iraniano, no qual a agência manifesta as suas “sérias preocupações referentes às possíveis dimensões militares do programa nuclear do Irã”.
Seguindo uma tendência que tem sido a marca registrada de numerosas outras “revelações” bombásticas provenientes do eixo anglo-americano desde o início da “guerra ao terror”, o documento não apresenta qualquer evidência palpável para consubstanciar a afirmativa implícita de que o Irã estaria empenhado na obtenção clandestina de um arsenal nuclear. De fato, o texto é recheado de condicionantes, como no trecho seguinte:
As informações indicam que, antes do final de 2003, as atividades supracitadas ocorreram no âmbito de um programa estruturado. Também há indicações de que algumas atividades relevantes para o desenvolvimento de um dispositivo explosivo nuclear continuaram após 2003, e que algumas podem ainda estar em curso.
Efetivamente, em 2007, a Estimativa Nacional de Inteligência (NIE), que reúne as conclusões das 16 agências de inteligência estadunidenses, determinou que o Irã havia encerrado o seu programa nuclear militar em 2003, embora prosseguisse empenhado em obter a capacitação científico-tecnológica e industrial para projetar e construir artefatos nucleares em um prazo relativamente curto, em caso de uma necessidade percebida. Esta é, aliás, a avaliação da grande maioria dos analistas e especialistas não engajados na agenda pró-belicista do eixo anglo-americano e do governo do premier israelense Benjamin Netanyahu. Em um artigo publicado na edição da 2ª. quinzena de maio de 2010 do jornal Solidariedade Ibero-americana, o engenheiro nuclear Leonam dos Santos Guimarães, assessor da presidência da Eletronuclear e também assessor especial da AIEA, resumia assim as intenções iranianas:
«Uma análise serena do caso indica que, muito provavelmente, o governo iraniano pretende cumprir suas promessas de uso pacífico. Entretanto, o Irã certamente busca a capacitação na produção do material nuclear que, potencialmente, poderia ser produzido para fabricação de um artefato. Parece, porém, que seria muito pouco provável o Irã tomar a decisão de realmente produzir esse material, pelo menos no curto e médio prazo, já que isso certamente implicaria na queda do seu próprio regime islâmico, dada a fortíssima e justificada reação internacional que sobreviria. Possivelmente o Irã quer ascender à posição de “ser capaz de”, similar à posição dos demais países que dominam a tecnologia de enriquecimento de urânio, sem possuírem nem almejarem possuir armas nucleares. Isto, por si só, já representa um efeito de dissuasão real, ainda que limitado, face às ameaças percebidas.»
Com o profundo conhecimento da região e a ironia costumeira, o correspondente do Asia Times Online, Pepe Escobar, bate na mesma tecla, em sua coluna de 10 de novembro:
«O cenário mais próximo da realidade – mesmo levando em consideração a existência de um programa clandestino, que não é consubstanciada – explicita que, para Teerã, a construção de uma ogiva nuclear é contraproducente. Mas o Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos (IRGC) – a cargo de todos os programas militares de alto nível – pode, certamente, manter a opção de construir uma ogiva nuclear com a rapidez de um relâmpago, como deterrência em caso de estarem absolutamente certos de que os EUA invadiriam o país ou, mesmo, lançariam uma operação “choque e pavor” prolongada. A verdadeira consequência inquestionável de o Irã, eventualmente, vir a deter uma arma nuclear, é acabar de uma vez por todas com a sempre presente ameaça de um ataque estadunidense. Em caso de dúvida, por favor, consultem o dossiê norte-coreano.»
O regime de Teerã pode ser implacável, mas não são amadores; construir uma arma nuclear – seja em segredo ou à plena vista da AIEA – e sair para a briga, não os levaria a lugar algum. O regime – que já está embrulhado em uma feroz e complexa batalha interna entre o Líder Supremo Ali Khamenei e a facção do presidente Mahmud Ahmadinejad – seria totalmente isolado geopoliticamente.
Por outro lado, até mesmo a possibilidade de uma nova rodada de sanções internacionais contra o Irã – que seria a quinta – fica diminuída em face da oposição ostensiva da Rússia e da China. Em especial, Moscou já anunciou a intenção de rechaçar qualquer proposta do gênero que venha a ser apresentada ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde detém poder de veto. Em iniciativas pouco comuns, tanto o presidente Dmitri Medvedev como o chanceler Sergei Lavrov condenaram a divulgação do relatório da AIEA, considerando-o contraproducente aos esforços de enquadramento diplomático do Irã. Medvedev chegou a fazer algo raríssimo entre chefes de Estado não-islâmicos, criticar Israel abertamente, apontando a “atmosfera ameaçadora” criada pelo país (Novosti, 8/11/2011).
Resta a possibilidade de um ataque aéreo israelense às instalações militares iranianas, como Netanyahu, o ministro da Defesa Ehud Barak e o normalmente mais sóbrio presidente Shimon Peres vêm alardeando nas últimas semanas. Como afirmamos na edição anterior deste boletim, esta poderia ser uma opção do eixo anglo-americano para evitar uma saída racional para a crise sistêmica global, a qual poderia ser justificada por qualquer incidente espontâneo ou provocado, envolvendo o Irã, em meio à guerra de nervos desfechada contra o país. Não obstante, as evidências indicam que o próprio Establishment de segurança israelense se opõe majoritariamente a uma ação militar.
É sabido que vários ex-chefes do Mossad, do Shin Beth (contrainteligência interna) e do Estado-Maior das Forças de Defesa Israelenses, têm se manifestado publicamente contra um ataque ao Irã. No Ha’aretz de 9 de novembro, o colunista Carlo Strenger afirma que Meir Dagan, que chefiou o Mossad entre 2002 e 2010, tem afirmado que um ataque seria “uma ideia estúpida”, por três motivos que parecem óbvios a qualquer analista minimamente racional: primeiro, porque provocaria uma guerra regional de consequências imprevisíveis; segundo, não retardaria o programa nuclear de forma significativa; e terceiro, apenas reforçaria a decisão iraniana de adquirir armas nucleares.
Entretanto, como a opção “fogo no circo” pode ser, precisamente, a almejada pelos círculos mais belicosos do eixo anglo-americano-israelense, ela não pode ser descartada.
O Brasil deve observar tais desdobramentos com muita atenção, pois a guerra de nervos contra o Irã tende a criar um ambiente favorável a uma nova campanha de pressões para que o País adote o abusivamente intrusivo Protocolo Adicional do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP).
Sabe-se que o assunto foi mencionado recentemente em conversas da secretária de Estado Hillary Clinton e o chanceler Antônio Patriota.
Movimento de Solidariedade Íbero-americana
Fonte: Blog do Ambientalismo
Imagem: Google, colocadas por este blog
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